Quando decidi me mudar pra Austrália algum amigo (quem foi hein?) me indicou um livro chamado In a Sunburned Country. Já tinha ouvido falar do autor, um tal de Bill Bryson, por causa de um outro livro seu que tinha sido lançado no Brasil, o Uma Breve História de Quase Tudo (Companhia das Letras, 2005). Já havia gostado da forma crítica e do humor cítrico do autor, que intercalava fatos históricos e piadas no tom e no momento certo. O relato da sua viagem pela Austrália descrevia o país de uma forma peculiar. E descobri aí que aquele não era seu único relato de viagem: ele também já havia escrito sobre a África, a Europa e os Estados Unidos, onde havia nascido, apesar de ter passado boa parte da vida na Inglaterra. Pra minha surpresa um desses livros de relato de viagens também havia sido lançado por aqui. Chamava Uma Caminhada pela Floresta: Redescobrindo os Estados Unidos pela Appalachian Trail (Companhia das Letras, 1999) e foi a primeira vez que ouvi falar da trilha.
Boa sorte se for tentar achar a edição em português do livro. Sugiro começar pela Estante Virtual, onde vez e outra aparece um pra venda. Fora isso não existe mais nada sobre a trilha publicado em nosso idioma. Nem na Internet: tente procurar “Appalachian Trail” no Google em sites brasileiros e você vai se deparar com basicamente essa matéria sobre a morte da Geraldine Largay, que foi publicada em 2016 no Portal Extremos (eu falei sobre a Geraldine e outras pessoas que morreram na trilha no meu post passado, você viu?)
Mesmo quando se muda a pesquisa para “trilha apalache” os resultados são poucos: aumentam por causa do filme mais recente e pouco inspirado do Robert Redford, baseado no livro do Bill Bryson. E por causa de um episódio de Criminal Minds que se passa na trilha: uma obra de ficção alarmista, que os parentes e amigos de quem pensa em fazer a caminhada não devem assistir.
Quando comecei minha pesquisa não conseguia achar nem informações sobre alguma pessoa nascida no Brasil que já tenha feito a trilha. Só esse ano fiquei sabendo que Elaine “Brazil Nut” Bissonho completou a Appalachian Trail em 2011. Antes ela já tinha feito a Pacific Crest Trail e no ano seguinte a Continental Divide Trail, o que a coloca como uma das raras pessoas no mundo a ter feito a Tríplice Coroa das trilhas de longa distância. Mas só foi possível chegar a essa informação porque ela está no site da ALDHA – American Long Distance Hiking Association (Associação Americana de Caminhantes de Longa Distância). E por causa disso tem uma breve nota sobre ela também no Extremos, publicada em março deste ano. E é isso. Nada mais sobre seu feito está disponível na web brasileira. E sobre a Appalachian Trail, como eu disse, tem bem pouco.
Mas a história poderia ser diferente. Charles Casey Reese, um ex-voluntário da Appalachian Trail Conservancy e hoje biólogo da National Park Service, o Serviço Nacional de Parques dos Estados Unidos, esteve por aqui ainda em 2007 dando um workshop em São Paulo sobre Trilhas de Longas Distâncias. O evento era parte do Seminário Internacional Trilhas de Longo Percurso, que contou ainda com representantes do Chile e de parques brasileiros como a Serra dos Órgãos. A fala de Reese foi focada na AT, na importância dos voluntários e no trabalho da Appalachian Trail Conservancy. Não estive no evento (consegui apenas ter acesso ao Powerpoint que Reese utilizou), mas gosto de imaginar que foi nessa palestra que Elaine ouvi sobre a trilha e decidiu fazê-la.
Bill Bryson: A Walk in the Woods
Com a pouca repercussão do workshop, hoje em dia para saber mais sobre a Appalachian Trail a saída é buscar informação em sites e livros em inglês. Aí sim o universo é vasto. São dezenas de sites, blogs e livros sobre o assunto. Eu divido os livros em três categorias: guias, relatos e romances. É nessa última que o livro de Bill Bryson (A Walk in the Woods no original) se encaixa. Ele é certamente o livro de maior sucesso, aquele que desperta na maioria das pessoas o desejo de fazer a trilha. A fama da Appalachian Trail em anos recentes é muito por conta da influência do livro, assim como Wild, da Cheryl Strayed fez com a Pacific Crest Trail ou o Diário de um Mago, do Paulo Coelho, com o Caminho de Santiago. Nos romances também se encaixa o livro que estou tentando ler agora: Trail Danger: A Tale of Love and Suspense on the Appalachian Trail, de Anne Perkins. Mas esse é uma bobagem que o melhor a fazer é passar longe.
Bill Walker: Skywalker: Close Encounters on the Appalachian Trail
Gary Sizer: Where´s the Next Shelter?
Alguns dos relatos mais interessantes são escritos por Bill Walker (Skywalker: Close Encounters on the Appalachian Trail) e Gary Sizer (Where´s the Next Shelter?). Walker é um gigante com dois metros e dez de altura que conta sua caminhada de 2005. O livro é agradável e o autor consegue fazer graça com sua altura incomum. Gary “Green Giant” Sizer, outro grandalhão, fez a trilha em 2014. Seu livro conta sua aventura e dos amigos que fez na trilha. Como ele mesmo diz, parece piada: um engenheiro, uma colegial e um soldado israelense que sonha ser cartunista… O livro é inspirador e bem inscrito, mas a autor conseguir repercussão mesmo por causa de suas fotos de antes e depois da Appalachian Trail que ele publicou do Reddit. Saca só:
David “AWOL” Miller: AWOL on the Appalachian Trail
Outro relato essencial é o de David “AWOL” Miller. Seu livro AWOL on the Appalachian Trail conta sua caminhada pela trilha em 2003. Se não bastasse ter escrito um dos melhores relatos sobre a trilha, o ex-programador de computadores fez mais: é dele o guia usado por 9 entre 10 pessoas que pensam em fazer a trilha. Chamado simplesmente de The AT Guide, traz informações sobre pontos de água, cabanas, distâncias, elevações e quanto falta para a próxima cidade. É fundamental, mas não é um livro de leitura e só é útil quando você estiver na trilha. Aliás, você não precisa de mapa nem bússola para fazer a Appalachian Trail, mas vai ser difícil chegar ao final sem o AT Guide.
Outro guia que tem me ajudado bastante é o escrito por Zach Davis. Como diz o título, Appalachian Trials: A Psychological and Emotional Guide to Thru-Hike the Appalachian Trail é justamente isso, um guia para te preparar psicologicamente e emocionalmente para o desafio. Apesar de ser focado na AT, não serve só pra ela: as informações de Davis podem ser úteis para qualquer aventura. Outro nerd saído da frente de um computador para o meio do mato, Zach Davis transformou seu livro em outro produto: o excelente site The Trek , onde é possível encontrar relatos de outros caminhantes, informações sobre equipamentos, blogs, mapas interativos e informações que podem ser úteis para quem deseja fazer uma caminhada de 5 meses ou 5 dias.
Todos os livros estão disponíveis na Amazon, alguns gratuitos para quem faz parte do Kindle Unlimited. Se tem interesse pela caminhada, recomendo a leitura. O Powerpoint com a apresentação de Casey Reese em São Paulo em 2007 pode ser encontrado aqui. Boa leitura.
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