Distância do Dia: 36,99 km. Distância Total: 167,44km. Cobras que cruzaram o meu caminho: 2.
A Pousada Samião, em Tapera, é um empreendimento familiar. Dona Maria toca o negocio com os filhos e os netos. A pousada fica ao lado da casa dela, e quando você pede a janta Dona Maria te leva pra cozinha, onde esquenta o almoço no fogão a lenha. A pousada não tem meia dúzia de quartos, escondido atrás do armazém da família. Que tem sinuca, gente jogando truco, vende arame farpado, crédito de celular, cachaça, detergente e a melhor coxinha que comi, que a própria Dona Maria faz. O lugar é singular.
Mas Dona Maria só acorda às sete, então pedi pra deixar um café coado pra eu tomar no dia seguinte. Saí às 6h, fotografei Tapera às escuras e não andei 100 metros rumo à Conceição do Mato Dentro quando passa por mim um sujeito empurrando a cegêzinha. “Acabou a gasolina?” “Nada rapaz! Parei a moto ontem ali um minutinho e num é que roubaram a minha chave?” E lá foi o sujeito subindo a ladeira empurrando a danada.
O caminho do dia era tranquilo e não reservaria muitas surpresas. Dez quilômetros de terra até Córregos e depois mais de 20 de asfalto pela MG10 até Conceição. Dia nascendo, sol fazendo um esforço danado pra sair por entre as nuvens, névoa cobrindo o vale abaixo (no dia anterior tinha visto as luzes de Conceição do alto do morro, antes de chegar a Tapera. Agora era tudo nuvem), eu indo na minha toada, tranquilo, foto aqui, vídeo ali até que paro pra beber uma água, boto a mochila no chão e vejo um abridor de garrafa, desses de chaveiro, verde. Pego o troço e na outra ponta, uma chave Honda.
Fico pensando nessas coisas que acontecem nessas caminhadas. Essas coincidências, esses encontros. Qual a probabilidade de eu ter encontrado com o cara empurrando a moto? Tivesse eu saído 5 minutos antes ou depois isso não teria acontecido. E qual a probabilidade de, em um trecho de 35 km, eu parar logo ali, onde estava aquela chave meio enterrada na poeira da estrada de terra? Quais os fatores que levam a esses acontecimentos? São puras coincidências? Ou são coincidências significativas, sicronicidade? O que me levou a achar a chave do rapaz e o que isso quer dizer, ora?
Cheguei em Córregos e liguei pra pousada. Adilson, um dos filhos da Dona Maria, atendeu. Contei o caso é disse que deixaria a chave no armazém do Antonio. Se ele ficasse sabendo quem é o dono, era só pedir pra ir pegar. E na frente da charmosa e mínima igreja do vilarejo, fiquei papeando com dois moradores locais. Claro que todo mundo quer saber da história, se onde estou vindo, até onde vou, quantos dias isso vai levar. E contei que da conversa do dia anterior com o Wesley, falado que o trajeto demarcado não é o original. E eles concordaram. Ao invés da MG10 o trecho, segundo eles, ia serpenteando a serra, passando por fazendas, em uma estrada “que até passa carro, mas você vai dar muito sorte se encontrar um”. “Azar”, corrigi. Tô fugindo de carros.
A preocupação era se eu saberia o caminho certo, em meio à tantas bifurcações. “Mas não tem erro: chega na escola, vira à direita, depois é só pra esquerda, contornando a serra. Tem que passar pelo córrego: se você andar meia hora e não cruzar a ponte tá no lugar errado”.
Como a gente dizia lá em Divinópolis nos meus tempos de moleque, mole pro Vasco. Despedi, agradeci, passei pelos moleques na hora do recreio e meia hora depois, córrego. Aí foi só seguir, conferindo vez ou outra no Google Maps. Não vi ninguém – a não ser as duas cobras – até encontrar o Mauro Renato na porta de uma das casas. Conferi com ele se o caminho estava mesmo certo e a resposta foi um “certo cê tá, mas se tivesse chegado 15 minutos antes teria pegado o ônibus. Alá ele indo!”.
E além do Mauro e das cobras meu único encontro nos 15 km do percurso foi com um rebanho de vacas que viu em mim seu pastor e me seguiu por uns 10 minutos.
Ao final a estrada chegou ao asfalto, na estrada que dá entrada à cachoeira do Tabuleiro, que vai ficar pra outra vez.
Quando cheguei, Conceição do Mato Dentro era um canteiro de obras. A pé já era difícil andar, imagina quem estava de carro. Ruas fechadas, prédios em obra, da Prefeitura à Igreja Matriz. Achei com esforço a Secretaria de Turismo e a Maria Anete, a atendente, foi de uma simpatia sem fim. Me levou pra tomar café nos fundos da casa, perguntou sobre o trajeto e me disse pra ficar no Hotel Umbelina, na região central. Uma pensão simples até o ultimo grau, com cenário é personagens de filme.
Agora tô aqui, na Fattoria, de fronte ao “hotel”, esperando minha porção de pastel de angu. Afinal, tenho que tirar a dúvida sobre quem faz o melhor pastel de angu de Minas: Itabirito ou Conceição?
Henrique
Que massa o relato!!!
Muito legal e cada istoria…
E o pastel prefiro o de Conceição mil vezes
Porque a cidade, a região e demais.