São seis horas da manhã. Estou no aeroporto de O’Hare, em Chicago, nos Estados Unidos. Não é a minha primeira vez no país, nem na cidade. Desta vez, entretanto, estou apenas de passagem, a caminho de Toronto, no Canadá. O voo da United que saiu de São Paulo na noite anterior foi tranquilo, apesar dos minutos de atraso. O que apenas fez crescer a minha apreensão. Meu próximo voo sairia em menos de uma hora e ainda estamos, eu e minha companheira, na fila da imigração. O processo de entrada no país, mesmo que sua permanência nele se resuma a poucos minutos, é o padrão: imigração primeiro, malas depois, passa pela alfândega, vai para a área de passageiros em trânsito, despacha as malas novamente, passa mais uma vez pela imigração (agora para sair do país) e embarca no seu voo para a cidade de destino.
Quando chega a nossa vez, entrego os passaportes e explico: veja, estes são os passaportes válidos, mas os nossos vistos estão nestes outros dois, antigos (é comum isto acontecer: você tem um passaporte e tira o visto para os Estados Unidos. Seu passaporte vence, mas o visto continua válido. O jeito é viajar com os dois documentos). O policial, acostumado, pega os livretos e faz as perguntas usuais: estão vindo de onde? Indo para onde? Qual a finalidade da viagem? Processa, primeiro, os documentos dela: coloque os quatro dedos da mão direita aqui para escanear, isso, agora o polegar, certo, a outra mão, agora olhe para câmera, pronto, aqui estão seus documentos.
Na minha vez a coisa encrencou: coloquei os dedos, tirei a foto, fiquei esperando meu passaporte e o oficial digita, procura alguma coisa, digita de novo, olha o documento e me diz: estranho, seus dados não conferem. Você vai ter que acompanhar.
E assim entrei na temida salinha da imigração americana…
O local é sim como você vê nos filmes ou seriados do tipo “Aiport Control”: três fileiras de bancos de madeira sem encosto, uma sala reservada com persiana, onde se podia ver uma mesa com amontoados de papéis, quadros com anotações de nomes (muitos chineses), sexo (mais homens que mulheres) e número do voo (a maioria United) e monitores que mostravam as imagens de câmeras colocadas em celas de prisão, onde apenas uma pessoa dormia. No outro extremo uma sala maior, com quatro ou cinco oficiais. A princípio apenas nós dois estavamos no lugar. Com o tempo passando, outros iam e vinham: dois brasileiros, um grupo de indianos, um senhor na cadeira de rodas…
Uns quarenta minutos se passaram até que um dos oficiais veio ter comigo. Queria saber se meu nome de família era, afinal, Santos (como está no meu passaporte) ou dos Santos (como consta no visto). Expliquei a confusão. Um segundo, gordo e com cara de latino, interveio: Santos é um nome comum no Brasil, não? Confirmei. Mas Jefferson não é um nome tão comum, perguntou. Não, eu disse. E voltei para minha espera.
Eu já havia perdido minha conexão das 7 horas quando o oficial que me atendia, um senhor já na casa dos 60, também com descendência latina e olhar amigável, veio a minha direção: olha, parece que tem uma ocorrência no seu nome. Pode ser alguma coisa que aconteceu há muito tempo, mas tenho que checar com Washington. O que? Washington? Comecei a ficar preocupado. Sim, completou ele. Temos que ligar para a Interpol. Interpol? Você está brincando, retruquei. É sério, disse o oficial. Seu nome aparece na lista de procurados. E saiu tranquilamente.
Foram mais alguns minutos até ele voltar e pedir minha carteira de identidade brasileira (alguém disse que ela não vale nada no exterior? Esqueça!) e para eu anotar, em um pedaço de papel, o nome de minha mãe, minha altura e cor dos olhos. Enquanto escrevia aproveitei para perguntar se ele sabia o que estava acontecendo.
_ Não sei, ele disse. A Interpol pediu apenas que a gente se certificasse que você é você. Parece que estão procurando alguém com o mesmo sobrenome…
Já passava das 8 quando ouvi o Mr. Santos sendo chamado novamente. Ele me entregou os documentos e desejou um bom voo. Só isso. E não me disse mais nada.
Minhas malas estavam sozinhas na esteira. Quando passei pela alfândega, o oficial de plantão ainda me questionou o motivo de só estar passando ali naquele momento, mais de duas horas depois do meu voo ter aterrizado. Expliquei rapidamente a história e ele emendou:
_ Certamente uma confusão por causa do seu sobrenome. Muito comum nos países latinos.
Como se eu não soubesse. Ainda mais agora, que tenho um xará na lista dos mais procurados da Interpol.
(ok, na foto no meu passaporte antigo, a que tem o visto, não estou com uma cara de muitos amigos… Mas isso não é motivo para a minha detenção…)
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