Distância do Dia: 41,87 km. Distância Total: 77,57 km. Tombos que levei até chegar na cachoeira: 2.
Existem dois tipos de pessoas (na verdade existem mais, mas não vamos complicar): as que gostam de tomar banho antes de dormir e as que preferem banho ao acordar. Eu sou do segundo time. Só que banho pela manhã e caminhadas não combinam: a água deixa a pele do pé mais fina e a possibilidade de bolhas aumenta. Então fui dormir ontem lá pelas 8 da noite depois de dois banhos quentes (meu requisito número um pra escolha da pousada) e acordei às cinco. Sabia que o dia ia ser pauleira: na planilha do trecho de São Gonçalo ao Serro, o guia do Instituto Estrada Real mostrava que eram 31 km pelo asfalto. Mas contava também da existência de uma trilha entre Milho Verde e Três Barras, “contudo, o local ainda não apresenta infraestrutura
turística”. Era o que eu precisava. E conversando com o João, caseiro da pausada, ele me disse de uma trilha de São Gonçalo a Milho Verde, mais longa que o trecho oficial, que passava por cima da Serra. Pronto. Pelo menos metade do percurso seria do jeito que eu queria. Iria ficar mais cansado pelos quilômetros extras mas o fator “diversão” também seria maior.Tinha combinado com o João que poderia dispensar a moça do café, que chega normalmente às 7h. Se ele deixasse uma garrafa térmica na noite anterior com um café coado era tudo o que eu precisava. Como certeza ainda estaria quente pela manhã. Na mesa, além do café, ele deixou pão, bolo, bananas, maçãs e um bilhete: “se quiser pode levar os pães e as frutas pra comer na estrada. Boa caminhada”. Como não amar essa hospitalidade mineira?
Passei na entrada da igreja do Rosário e ao invés de seguir direto, como a planilha indicava, quebrei à direita e subi. A estrada parecia recém-aberta e durante todo o percurso não passou nem uma pessoa por mim. Só quando cheguei ao Beco dos Prazeres – aquele que vai de Milho Verde à Cachoeira do Piolho e ao Bordados da Barra (de novo, como não amar?) – encontrei alguém.
Milho Verde é aquele charme delirante. As casas, o entorno, tudo continua encantador. Mas não demorei: carimbei o passaporte na Pousada Morais, fiz a foto clássica na Igreja Do Rosário e peguei a estrada. Quer dizer, trilha.
Na pousada Morais o Rodrigo havia me dito que não era aconselhável pegar sozinho a trilha até Três Barras. Mas com o celular carregado, um carregador extra os mapas salvos em off-line no Google Maps entrei mato a dentro. As formações rochosas, a vegetação de serrado, as fontes de água, a areia incrivelmente branca em alguns momentos, tudo deixa o cenário em uma beleza única. Mas apesar das placas proibindo motos e bicicletas, várias marcas de pneus estão estampadas na terra. Trilhas são abertas sem nenhum critério, destruindo a flora e favorecendo a erosão. Aliás, a marca da presença humana – e da destruição que ela provoca – é uma constante em todos os trechos. Na estrada, de guimbas de cigarro à privadas, já deu pra ver de tudo. Nas trilhas, plástico, latas e garrafas também não são raros de achar.
Com o Maps, saí seguindo a trilha mais nítida que ia até a estrada pra Capivari. No caminho, umas placas indicavam Canelal. Só quando cheguei à cachoeira me dei conta do que era. Ainda antes do almoço – bem antes: pensava que era por volta de 11h mas ainda era por volta de 10h – e eu com tempo, caí na água gelada e fiquei ali curtindo. De tão relaxado que fiquei, quando voltei pra trilha não só me perdi – obrigado Google! – como levei dois tombos: ao invés de usar os bastões, ficava com o telefone na mão tentando achar de novo a trilha.
Ainda tentei pegar uma outra trilha até Três Pontas, mas como não via caminho depois de um determinado ponto segui pela estrada de terra até a rodovia. A partir daí foi só sofrimento: uma hora até Três Barras, pausa para foto e gatorade e depois mais 4h30 de asfalto, sol quente, falta de sombra e descidas intermináveis, que judiavam dos joelhos e dedos do pé. Só não foi pior por causa de uma subida ao Serro do Cruzeiro e pela visita à igreja de NS do Carmo, guiada pela simpática Artemira. (Aliás, no Serro tem rodízio de igreja: não poderia visitar as outras nem se quisesse. Abre uma por dia de semana e pronto.)
Com os preços das pousadas do centro mais no alto que a Igreja de Santa Rita, dei uma passada no escritório de turismo pra tentar achar algo mais barato. A solução não poderia ter sido mais indicada: a Pousada Dona Tuca fica na saída pra Alvorada, meu destino de amanhã. É uma fazenda centenária, linda e o silêncio só é quebrado pela voz da Duda, a neta da dona. Aos 8 anos ficou de papo comigo, sem acreditar que eu estava viajando a pé (você não tem carro?), enquanto eu devorava o maior x-tudo que entrei nos últimos anos. Afinal, o dia terminou com quase 42km de caminhada e mais de 10 horas andando…
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