Distância do Dia: 35,7km. Distância Total: 35,7km. Unhas nos pés: 10.
O final de semana foi atípico: aniversário, jantares com amigos, cinema com neta, almoços com familiares. Normalmente são mais tranquilos e intimistas. Apesar disso não havia deixado de lado a ideia de começar a Estrada Real na segunda. Domingo à noite, pós-feriado, com trânsito confuso no centro de BH, tive que ir duas vezes seguidas à rodoviária: primeiro pra deixar visitas que estavam voltando e algumas horas depois para pegar o ônibus para Diamantina. Tivesse o final de semana sido mais tranquilo eu teria saído mais cedo, visitado a cidade com calma, dormido ali e começado pela manhã. Nas circunstâncias atuais saí à meia noite e às 6:00 em ponto estava em frente ao primeiro marco do Caminho dos Diamantes. (Antes tive que ligar pra o Hostel Pico do Itambé e acordar o Marcos às 5:30 para pegar meu passaporte. Com ele vou colhendo carimbos em cada cidade e ao final recebo um certificado. É uma boa forma de ter informações sobre o número de pessoas que fazem o percurso – eu sou o 1132. Mas por outro lado restringe o turista em passar obrigatoriamente por algumas pousadas e restaurantes. Quem disse que o objetivo do percurso é estritamente cultural hein?)
O início foi frustrante. A estrada de Diamantina à Milho Verde está sendo asfaltada e a ideia de caminhar 30 km por terra foi por asfalto à baixo. Pelos 10 km já estão finalizados (com acostamento seguro para caminhantes e ciclistas, é bom dizer) e outros 10km são divididos com maquinas, tratores e operários. A obra deixou confusa também a sinalização (já não muito inteligente) da Estrada Real, me fazendo gastar tempo em decidir qual, afinal, era a estrada correta. Só o trecho final do primeiro dia, já chegando à Vau, foi como esperado. E aí a natureza reina, com formações rochosas lindas (muitas outras já estão no chão, para a chegada do progresso) e aves e animais.
Sozinho, sem conhecer a região, sem sinal de celular, não é simples explorar as trilhas paralelas. Passei pela Gruta do Salitre e só percebi quando estava perto da saída (mas aí deu pra voltar e ver um pouco). Uma cachoeira ficou pra trás e o caminho dos escravos também. E tem mais: quando a cidade mais próxima está a 35 km de distância como hoje a vontade é só chegar.
Além disso calculei mal a minha água – na verdade bebi muito dela no ônibus e não achei nada aberto em Diamantina – e me contive nos primeiros 25 km com o quem tinha. Só em Vau que entrei em um bar e tomei um litro de água e outro de Coca-Cola. E fiz ali uma parada de uns 30 minutos, a única do dia, pra ficar conversando com o Luis, o dono do lugar. Conversando é força de expressão: ele juntava um caso no outro e ia dos 35 anos que morou em BH pro tempo que trabalhou como topógrafo e saiu andando 900km no mato em Mato Grosso marcando pontos de instalação de redes de transmissão e daí pra quando morou no Iraque e que viu de perto a Torre de Babel e de como um Dinar vale 3 dólares (na verdade um dólar vale 1100 dinars) e que nasceu no Espírito Santo e que quando trabalhava pro Newton Cardoso tava dirigindo na estrada e viu um caminhão jogar a traseira só pra matar um andarinho (“você fica esperto, sei que você tem andando mas tem muita gente mal no mundo que não tinha de andarinhos” – e reforçava o som anasalado do nh que não existe na palavra) e que mudou pra Vau porque cansou de cidade “mas o que eu quero mesmo é comprar uma D20 cabine dupla e sair pescando, daí se eu não tiver dinheiro pra gasolina eu vendo uns peixes e tá tudo beleza”. Me mostrou também um caminho que poderia subir e economizar 3 km no trecho até São Gonçalo.
Era uma subida muito braba, e eu queria chegar rápido, mas por ali eu não iria passar pelo Rio Jequitinhonha. Preferi ir pela estrada original e pude ver a beleza que é o Jequi na divisa de Diamantina e Serro. Os recortes nas pedras, a cor da água, o cenário de fundo, é tudo lindo. E ali acima a ponte, quase caindo (e que vai ser derrubada em breve).
Cheguei em São Gonçalo dos Rios das Pedras às 14:00, depois de 7,5 horas andando (já descontado o papo com o Luis) e 35,7 KM percorridos. Na Pousada dos 5 Amigos o papo foi com o João, ex-garimpeiro, artesão e caseiro do lugar. E depois dessas conversas, com o Luis e o João, fica a certeza que o melhor de caminhar é encontrar pessoas como essas.
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