Toda vez que comento que pretendo fazer a Appalachian Trail alguém pergunta: a pé? Sozinho? Qual equipamento vai levar? Como assim? As pessoas sempre ficam surpresas e acham um feito de outro outro mundo. Agora imagina se eu tivesse uns 25 anos a mais. E fosse mulher. E tivesse onze filhos e 24 netos. E decidisse fazer a caminhada com basicamente a roupa do corpo e quase nada mais…
Pois é. Essa é Emma Gatewood. Ou “Vovó” Emma. Ela foi a primeira mulher a completar a trilha. E também fez o caminho todo a pé, sozinha, e aos 67 anos. Quando saiu de casa, em 1955, ela só disse aos filhos que iria fazer uma caminhada. Só isso. Acabou andando os 3500 quilômetros.
A jornada de Emma foi uma libertação pessoal. Sua vida é daquelas que renderia um livro. Na verdade rendeu: Grandma Gatewood’s Walk: The Inspiring Story of the Woman Who Saved the Appalachian Trail foi lançado por Ben Montgomery em 2014 (está disponível para compra aqui) e conta a história dessa figura incrível, uma das maiores inspirações pra qualquer pessoa que pensa em fazer essa caminhada.
Resumindo (muito) a história da Dona Gatewood, ela se casou aos 19 anos com um homem quase dez anos mais velho. Apanhou do marido várias vezes durante os muitos anos de relacionamento. Teve dentes e costelas quebrados. E encontrava paz e tranquilidade na casa que tinha no meio da floresta. Quando finalmente conseguiu se separar, em 1940, foi morar com um dos filhos.
A primeira tentativa aconteceu quando tinha 66 anos, depois de ter lido, anos antes, uma matéria sobre a Appalachian Trail na National Geographic. Não conseguiu completar. No ano seguinte saiu de casa sem contar aos filhos e netos sua intenção. Levava um embornal com algum mantimentos, um vestido extra, um par de tênis, um velho cobertor, nozes e frutas secas e só. Se tornou a primeira mulher a completar os 3500 quilômetros da Appalachian Trail. Emma completou a trilha outras duas vezes: aos 72 e aos 75 anos. Foi a primeira pessoa a cruzar a AT de cabo a rabo três vezes. Faleceu aos 85 anos, em 1973.
Enquanto planejo minha caminhada e passo horas na frente do computador, decidindo qual o melhor tênis, a barraca que tem menos condensação, a mochila que tem o menor peso, o alimento ideal para trilha, sempre penso na simplicidade e nos feitos da Dona Emma. Só assim relaxo e tento encarar o desafio com a mesma determinação dessa mulher. E quando me perguntam se vou fazer a trilha a pé, sozinho, sempre conto um pouco a história da Vovó.
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