Distância do dia: 47,53 km. Distância total: 485,47 km. Da importância de dias como esses.
Dias como esse são de extrema importância em caminhadas de longa distância. Primeiro, era um trecho longo, de mais de 45 km. Dias assim exigem não só preparo físico como determinação. A vontade de parar na metade é grande: em algumas horas a vontade é aceitar aquela carona que vez ou outra alguém te oferece ou entrar no primeiro ônibus que passa. Além disso, este era meu primeiro dia de retorno, depois do conforto de casa. Recomeçar depois de um dia parado é sempre complicado. E a lembrança da cama quentinha, do travesseiro na consistência certa, dos banhos demorados, dos lava-pés com sal grosso e ervas, da comida predileta continua com você. Eu estava ainda sentindo a perna esquerda e o dedão inflado só doia quando eu pisava. É isso continuou assim durante todo o percurso. E durante toda a parte da manhã uma chuva fina e chata me acompanhou. Pra finalizar, a parte da lua de mel com a paisagem acabou. Não que o que eu via fosse feio, pelo contrário. Mas passou a novidade, e aquele mar de montanhas já não causava tanto impacto. Por mais bonito que fosse era só mais do mesmo.
Em dias assim, chuvosos e você saudoso e indo além do seu esforço normal é que você se pergunta “o que eu estou fazendo aqui?” (Na verdade a pergunta é mais “onde diabos eu estava com a cabeça quando decidi fazer a merda dessa caminhada de 1100 km? Você por um acaso ficou doido Jeff? Tá afastado de deus?”). Aliás, essa é uma dúvida frequente, tanto de amigos quanto das pessoas que você encontra na jornada.
Zach Davis é um caminhante de longa distância americano que escreveu um guia psicológico e emocional para se completar a Appalachian Trail. É: um guia psicológico e emocional para caminhar. Porque esse é dos pontos que mais fazem pessoas desistirem de uma caminhada longa. Zach sugere que se faça uma lista com os motivos que levaram você a fazer a trilha, o irá mudar de você completar e o que acontecerá se você desistir.
No meu caso, fazer a Estrada Real é mais que uma viagem geográfica. Mais que conhecer as cidades e montanhas e cultura é uma forma de me conhecer melhor, de saber dos meus limites e pensar meus atos e decisões. É uma viagem pessoal. Sou eu e meus pensamentos sozinhos, ali no meio do nada. É tentar vencer alguns medos e ideias que tenho. É uma forma de ganhar confiança e auto estima. É voltar às minhas raízes e origens, depois de ficar muito tempo com a cabeça fora. Ao completar espero estar mais focado, mais confiante, mais ciente de quem eu sou é de onde vim e claro, em melhor forma física. E desistir é confirmar alguns de meus medos e incertezas: que não completo o que proponho, que não me dedico aos meus projetos como deveria, que não foco no que é realmente importante naquele momento.
Além disso, acredito que andar é parte da natureza humana. Somos seres nômades. Gostamos do conforto e das facilidades da vida moderna, mas nascemos para estar em movimento. Somos curiosos e a busca pelo desconhecido é parte da nossa razão de estar aqui. É graças a isso que nossos ancestrais saíram da África. É por causa disso que os europeus vieram pra América. É por isso que os bandeirantes entraram mato adentro e chegaram às Minas Gerais. Queremos ir além, e a forma mais natural que temos para isso é usando nossas pernas.
E quanto estar afastado de deus, se ele existir, andar longas distâncias, peregrinar, talvez seja a melhor forma de se aproximar dele, não se afastar. Tanto que a peregrinação é parte importante das maiores religiões do mundo. Muçulmanos peregrinam a Meca. Budistas japoneses fazem a peregrinação à Shikoku, um caminho de 1200 km. Budistas Indianos peregrinam a Lumbini, onde Buda nasceu. Cristãos tem em Santiago de Compostela o maior exemplo. O ritmo de seus passos e dos bastões no chão é um mantra. Estar em silêncio ouvindo seus passos e a natureza por horas a fio é uma forma de oração.
Portanto, são dias assim que te fazem pensar na jornada e nos seus objetivos. Se não fossem dias assim não haveria a reflexão.
O percurso? Longo e cansativo. Com ele encerro o que me propus a fazer do caminho do Sabarabuçu. Ironicamente meu projeto não inclui Ouro Preto: daqui já saio pra fazer o mais longo dos três caminhos, o Velho. A partir de amanhã, começa tudo de novo.
Guilherme Palhares
concordo demais com tudo mas os europeus so chegaram nas americas pq o imperio otamo não queria dar desconto nas pimenta kkkkkkk brincadeiras a parte, ja comentei outras vezes mas estou muito feliz lendo seu relato e devorando eles obrigado!