Appalachian Trail S01E76

posted in: Appalachian Trail | 0

Dia 76, 29/06:  PA 183 (1203.0) a Eckville Shelter (1232.6)

Distância do dia:  29.6 milhas | 47,63 km

Distância total: 1232.6 + 8.8 milhas | 1997,83 km

Distância que falta: 957.2 milhas | 1540,46 km

Gnat. Na conversa de ontem com o Mark a gente chegou no inseto que tinha me comido vivo. Lembra da foto das minhas pernas? Pois é. Ao contrário do pernilongo, o gnat tem quatro “mandíbulas” e quando ele pica ele literalmente corta e arranca a pele. Comer vivo nunca foi tão literal. As feridas ainda estão cicatrizando e por causa do trauma dos insetos não fiquei no hostel que iria ficar. E também por causa deles vi um espetáculo lindo.

Hoje foi meu dia mais longo. Depois de um café da manhã super reforçado – só faltou o queijo minas, que o Mark esqueceu na geladeira e me mandou uma mensagem depois pra contar. Ou melhor, torturar – ele me deixou 7:30 de volta à trilha. Meu medo era a descida até a cidade de Port Clinton. No mapa de altimetria vem plano até despencar pra cidade e subir tudo de novo na sequência. No shelter alterior alguém tinha comentado que só esse ano duas pessoas já tinham quebrado a perna ali, ao escorregar na descida. De pança cheia e ainda uma garrafa de guaraná na bagagem, fiz as 16 milhas em 5 horas, apesar das pedras. A descida, afinal, não era nada demais: na Georgia ou Carolina do Norte são muito piores.

Cheguei 12:30 no Port Clinton Hotel pra uma cerveja e um hambúrguer antes da subida. Tinha a esperança de encontrar alguma comida pra viagem. Nada. A cidade tem de comércio o bar do hotel e uma loja de balas e doces. O resto fica em Hamburg, 3 milhas ao sul, onde tem um Walmart. Não iria até lá… ou conseguiria algo no caminho ou a janta do dia seria barra de cereal. E foi.

Antes de começar a subir o morro o Wash Bear passa por mim. Ele é ruivo, está sempre com uma camisa verde e tem um sorriso de propaganda de pasta de dente, apesar de fumar. É sistemático e a gente tem se esbarrado já faz um tempo, desde o dia que estávamos num hostel e ele disse que odiava os republicanos, pra desespero dos irmãos de Wisconsin. No dia do desafio do sorvete, parada obrigatória para todo hiker, ele passou direto. Quando perguntei se não gostava de sorvete, ele disse: “adoro. Por isso não parei. Não vou pagar 10 dólares em sorvetes que custam a metade disso”. Eu gosto dele. Quando passou por mim notei os tênis novos. “Achei melhor me preparar pras pedras”, ele comentou.

Antes da metade do morro tá lá ele sentado, fumando um cigarro, que ele guarda as guimbas num ziplock. “Banho agora só no Eckville Shelter”, ele comentou. Eu não tinha notado. Tinha pensado em ficar no anterior, mas o Eckville tinha banheiro com descarga, chuveiro, água filtrada e energia. Eram dez milhas a mais, mas valeria.

Pedras, mais pedras, pedras grandes, pedregulhos, pedras soltas, mais pedras. Ia assim e já eram cinco da tarde. Eu não chegaria tão cedo ao abrigo. Até que do nada as pedras desaparecem, a trilha vira uma estrada de terra, com gente passeando de bicicleta e adolescentes caminhando e eu jurando que tinha errado o caminho. E foi assim as últimas 4 ou 5 milhas, fazendo a caminhada render e eu chegar no abrigo – um celeiro, com lugar pra seis pessoas – ainda com sol.

Cansado, quase 50 km de caminhada desgastante, nem pensei em barraca. Escolhi um dos lugares, botei as minhas coisas, tomei um banho gelado e os insetos começaram de novo a me atacar. “Não vai rolar”, pensei. Peguei tudo, atravessei a rua e montei, já no escuro, a barraca. Tudo ok, hora de escrever e dormir, olho de lado e tá lá o saco com meus remédios e barras de cereal. “Droga. Vou ter que sair à noite, enfrentar de novo os insetos pra guardar a comida…”, pensei desanimado.

E aí eu vi o espetáculo. A barraca está montada em um gramado, com a estrada num lado e árvores no fundo. No que abro a barraca vejo dezenas de vagalumes. Pra todos os lados. Perto, longe, voando baixo, voando alto, parados nas árvores. Parecia um sonho, uma cena de um filme do Tim Burton. Lembrei da Ale, que disse nunca ter  visto. Da Lis vendo a cena dos vagalumes no Bom Dinossauro. Achei por um segundo que tinham antecipado as luzes de natal. Uma beleza incapaz de ser captada pela câmera. Só estando aqui, agora. Deixa o gnat arrancar mais um pedaço. Eu aguento mais uma coceira essa noite. Prefiro isso a perder esse show da natureza. 

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.