Appalachian Trail S01E17

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Dia 17, 01/05: Standing Bear Farm (240.6) a Unnamed Gap (262.4) Distância oficial: 21.8 milhas. Minha marcação: 33,1 km, 56.587 passos, 558 andares. Distância Total Oficial: 436,45 km

“Amor! Tô acompanhando aqui pelo SPOT e hoje você deu uma esticada heim?! Nuh!”Era a Ale, numa mensagem que me mandou às duas e meia da tarde. Depois daquilo ainda andei mais umas três horas. O dia foi longo. E rendeu.

Voltando à noite de ontem. Clark, o responsável pela Standing Bear Farm, é o próprio Urtigão. Mau humorado, fica na porta do casebre que serve de pousada na cadeira de balanço, barbona branca manchada de nicotina, cigarro no canto da boca, chapéu. Só faltou a espingarda, que deveria estar guardada. Uma figura. Bati um papo com ele a noite mas infelizmente não fiz nenhuma foto. E quando fotografei o casebre ele não estava no seu posto… Eu gostei da fazenda. Peculiar seria o adjetivo mais adequado.

Como é o lugar mais próximo da saída Norte da Smoky Mountains, estava lotado. E o papo no final do dia era o tempo: provavelmente chove de manhã, 100% de chance de chover por volta das onze mas depois de uma o dia clareia. E muita gente combinando de enrolar a manhã ali e sair só depois do almoço. Eu, 7:15 já tava com o pé na estrada.

A parte da manhã foi deliciosa. Dava umas chuviscadas mas o sol vinha logo depois. Esquentava e quando você pensava em limpar o suor lá vinha outra chuvinha pra refrescar. Até arco-íris apareceu. Mas foi chegando a hora do almoço e ao invés de limpar o tempo como o povo tava falando, fechou de vez. Chuvarada que não parava. Foi nessa hora que eu quase arrumei uma briga…

Mais cedo tinha passado um cara por mim, o único do dia até então. E quando foi por volta de uma passo por ele, parado fazendo almoço. Era o primeiro ponto de água depois de algum tempo. Meio complicado de chegar, tinha que descer uma pirambeira pra chegar no riacho. E se tem uma coisa que aprendi nesses dias de trilha foi ‘não pare no primeiro lugar de pegar água, que já já tem outro com acesso mais fácil’. Dito e feito. Não andei dez metros e cruzei o rio. Parei pra encher minhas garrafas quando de repente, tal qual uma granada, cai uma lata vazia de gás do meu lado. Assim, a uns 5 metros de mim… “Ok, acabou o gás do porcalhão e o cara resolveu jogar a lata no mato, sem perceber que a trilha continuava ali… vou terminar de encher minha garrafa, pego essa lata e levo comigo”, foi o que pensei. Só que não passou dois minutos e veio também uma lata de sardinha, que caiu no riacho e a correnteza levou. Não aguentei: peguei a lata de gás de taquei de volta de onde tinha vindo. “Ou, eu joguei uma outra. Essa não fui eu não…”, gritou o sujeito.

Segui meu caminho. Menos de dez minutos chega o cara atras de mim: “você tá maluco? Deveria ter pegado a lata e não jogado de volta!” Eu nem conseguia falar direito de raiva… a única coisa que saiu foi um “você quase quase me acertou duas vezes, fidaégua…” (a primeira parte em inglês. O fidaégua eu falei em português mesmo..) E o sujeito saiu me xingando: a última coisa ouvi foi um weirdo…

E toma chuva. Max Patch, lugar que todo mundo fala que tem uma vista bonita, pra mim foi de novo cinza. Passei o primeiro abrigo e continuei. Pouco depois chega de novo o sujeito atras de mim (ele tinha parado no abrigo): “cara, desculpa. Eu não queria acertar em você… eu sei que eu tava errado. Eu tava puto… desculpa” E me estende a mão. Eu, sério: “eu não encosto em ninguém na trilha (o que é verdade). Tá puto, com fome? Come um Snikers. E carregue seu lixo. Não saia jogado as coisas por aí”. E bati meu ombro direito no dele, que na trilha vale o mesmo que um aperto de mão. “É, eu sei. Desculpa.” E saiu de novo na minha frente.

A última vez que o vi foi no Walnut Mountain Shelter. Eu passei batido, mas vi que ele ficou por ali. Até tinha pensando em parar por lá, mas resolvi andar até uma das duas áreas de camping que tinham mais pra frente. Que também passei batido: na verdade nem vi. Vim parar nesse lugar a aqui, sem nome, mas super gostoso, quase no topo da Bluff Mountain. E tô aqui tranquilo quando escuto um barulho de moto: um cara fazendo trilha aqui perto e diz que vem sempre aqui. “Não quero te assustar não mas faz uns quatro dias eu vi um coiote por aqui. E um urso preto. No mesmo dia…” Já tinha andado muito, mais que o esperado. Não estou disposto a sair daqui. Minha comida tá dependurada. Agora é aqui mesmo. Com coiote e urso por perto…

Sabe quando as pessoas começam a ficar doente e as pessoas dizem que é um rotavírus? Então: o norovírus é o primo mais forte, mais malvado e mais sacana do rota. A cada ano ele manda um bando de caminhantes para o hospital. Esse ano já fiquei sabendo de gente no CTI, com diarréia e vômitos.

A transmissão se dá sobretudo pela água e pelo contato com outras pessoa que estão infectadas. E o que causa o norovírus é a má higiene: contato com fezes, por exemplo. Na trilha, higiene pessoal não é a primeira preocupação dos caminhantes. É normal ficar 3, 4 dias sem banho. E ninguém carrega sabonete. Então lavar as mãos não é algo que as pessoas fazem com frequência… por isso eu não encosto em ninguém na trilha. As variações do cumprimento de mão é s trombada de ombro (que eu prefiro) o o soquinho.

Aproveitando, além de um álcool gel, que uso toda vez que vou ao banheiro (seja #1 ou #2) eu trago também um detergente concentrado, biodegradável. Com ele lavo minha panela depois das refeições e minhas mãos antes. E tenho um filtro portátil pra alguns e pastilhas de clorin. Não quero perder alguns dias de caminhada por causa de uma besteira dessas.

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