A trilha da trilha: Peter Tosh – Legalize It
A cannabis é cultivada na Califórnia para a produção de tecido e fibras desde o século 18. Proibida no início do século 20, foi liberada apenas em 1996 para uso medicinal – e a Califórnia foi o primeiro país dos Estados Unidos a fazer isso. Vinte anos depois foi aprovado o “Adult Use of Marijuana Act”, a lei que permitiu seu também de forma recreativa. Um ano depois de entrar em vigor a indústria da maconha tinha quase 5000 agricultores cadastrados, mil distribuidores, 50 laboratórios de teste e uma venda nos pontos autorizados que somava 2.5 bilhões de dólares. Nunca gostei de colocar voluntariamente fumaça pra dentro dos pulmões (minha mãe morreu de enfisema pulmonar) mas acredito que sua descriminação é o melhor pros usuários e pra economia local.
Por isso estava curioso como seria fazer uma trilha de longa distância em um estado onde seu consumo é legalizado. A resposta veio hoje. Encontrei com o David, um americano que tinha conhecido em um grupo da PCT no Facebook e ficamos papeando um tempo, hora em inglês, hora em português, mas a maior parte em portinglês. Ele morou no Brasil em diversas cidades, foi missionário mórmon, fez parte da trilha em 2017 e voltou pra tentar fazê-la inteira esse ano. Ele também está na casa dos quarenta, começou alguns dias antes de mim e está tendo problemas com os pés e com seu celular, por isso vai sair da trilha por uns dias e voltar pra San Diego pra tentar consertar as coisas.
Certa hora ele me pergunta se eu fumo. “É que meu irmão é produtor e eu tenho uns cigarros dele ela vender. Cinco dólares a grama”. Quis saber mais: “olha, em 17 eu levei 200 para Kennedy Meadows e acabou rapidinho. Outro dia um suíço disse que estava cansado de ir na loja comprar e perguntou se podia comprar um pouco mais. Eu disse que sim. Pode ser uma onça? (28 gramas) Pode. Uma e meia? Sim. E ele comprou 44 cigarros. Fico imaginando quanto disse ele já consumiu. E eu vou assim, vendo dez um dia, cinco no outro…”
A gente estava no pátio do Centro Comunitário de Warner Springs, uma pequena cidade na beira da trilha que não tem muito mais que um posto de gasolina, uma agência dos correios, o centro comunitário e a escola do outro lado da rodovia, onde fui jantar macarrão e almôndegas feitos e servidos pelos alunos – custou 8 dólares, a verba vai para a própria escola e estava uma delícia.
Pra chegar a Warner Springs foram apenas 13 quilômetros de onde eu e Tyler acampamos. Esperamos a chuva parar por volta das 8 da manhã e quando colocávamos roupas e barracas molhadas na mochila também ensopada chegaram Sydney, Austin e Ed. Austin trazia os bastões que Tyler havia deixado pra trás e eu entreguei a ele os óculos de sol que ele havia perdido. Seguimos os cinco pensando no hamburger que diziam servir em Warner Springs, no tanque para lavar as roupas que nos esperava e no primeiro banho desde o início da trilha.
Pelo caminho passamos pela incrível Eagle Rock, uma formação rochosa em forma de águia com as asas abertas. Não sei se feito pelo homem ou pela natureza, a esculturas impressiona, isolada no topo de um monte.
Na chegada ao centro comunitário a surpresa: não havia hambúrguer. Mas o banho quente estava lá – de balde, mas um banho muito bem-vindo. As roupas lavadas e secas também. Com a tarde toda de folga pude recarregas as baterias e me preparar para os próximos dias. A chuva, dizem, vai continuar.
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