A trilha da trilha: Don McLean – American Pie
Em 2018, eu e a Ale, minha parceira e esposa, fizemos o Circuito O de Torres del Paine. Que o lugar é incrível todo mundo te conta. Mas ninguém fala do vento. Certo dia chegamos para acampar no Refúgio Paine Grande, bem às margens do lago, e o atendente nos disse: “se vocês ficarem mais perto da montanha é melhor e venta menos”. Procuramos um lugar por lá e eram todos inclinados demais ou reservados para a própria empresa que cuida do lugar. Escolhi um lugar mais abaixo, entre o refeitório e os banheiros, onde mais gente já tinha montado e barraca e parecia seguro. Pois à noite o vento começou a soprar e certa hora Ale me disse:”parece que soltou alguma coisa ali”. Não tinha soltado: os ventos de 100 km por hora, como ficamos sabendo na manhã seguinte, haviam quebrado as estacas da minha barraca.
Pois montando a barraca hoje tudo o que eu não queria era passar por uma experiência similar. Por isso fui de um lado pro outro, tenta daqui, experimenta dali e só depois de uma hora e meia cheguei a uma conclusão de que aqui onde estou é o lugar mais seguro. Aqui é o leito de um rio seco (se chover também posso ter água descendo), a mil metros de altitude, cercado de rochas, cobras cascavel e ratos, segundo o app que estou usando. E a barraca continua balançando mais que gelatina.
O dia foi longo e proveitoso. Ontem quando chegamos no camping havia apenas uma barraca montada e hoje pela manhã vi que era o Tyler, que havia acampado comigo na primeira noite. Ele saiu primeiro mas não demorou para que encontrássemos: eu estava sentando junto à marca de 100 km quando ele veio descendo a trilha. “Ei, você quer alguma água? Eu acho que estou levando demais: estou carregando seis litros”, ele disse. Aceitei um, apesar de achar que o que tinha era o suficiente e a partir dali passamos o resto do dia andando juntos. Primeiro uma descida de 2200 metros até 670, na ponto chamado Scissor Crossing. Depois a subida até aqui onde estou.
Nesse trecho da trilha água é realmente um problema. Mesmo com a chuva e a neve, durante todo o trecho que fizemos hoje, de mais de 35 km, não havia uma única nascente ou curso d’água. Amanhã serão mais 20 km até o primeiro riacho. Apesar de todos dizerem para não contar com os chamados “water cachet”, reservatórios onde voluntários deixam garrafões de água para os caminhantes, essa é a única alternativa. Ou carregar seis litros como o Tyler.
O primeiro reservatório estava no cruzamento da trilha com uma estrada de terra chamada Rodriguez Road. Eram dezenas de garrafões dentro de caixas plásticas e como havia uma sombra perto – outra coisa que vai ficando mais difícil de encontrar daqui pra frente – Tyler e eu resolvemos tirar uma siesta. Logo depois chegam Snickers, Sydney, Ed e Austin. Todos ali batendo papo e se hidratando quando passam dois helicópteros da guarda fronteira em voo rasante. Não é algo incomum nessa região: todos os dias vimos um ou dois, mas nunca tão baixo. Não sei se por causa do barulho ou do deslocamento do vento, assim que eles passam um enxame de abelhas saiu da árvore de onde estamos relaxando. Apesar das pernas doídas, cada um acho energia pra correr. As abelhas, felizmente, deixaram a gente em paz.
O segundo estava debaixo da ponte que cruza a estrada que vai pra cidadezinha de Julian. Por ser uma sobra consistente e próximo do local onde se pega carona pra cidade, é ponto de encontro de quem faz a PCT: alguns dando um tempo pra ir pra cidade, outros pra subir a montanha. Não achei que seria necessário ir à cidade: cidade é sinônimo de gastar dinheiro e não é o momento. Nem a torta que os caminhantes ganham de graça em uma cafeteira local me convenceu. Achei melhor subir a montanha e gastar algum tempo achando o melhor lugar pra montar minha barraca.
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