A trilha da trilha: The Ventures – Walk, don’t run
Lis, minha neta mais nova, é o que a gente chama aqui em Minas de menina custosa. Cheia de energia, ela não para um segundo sequer. Já foi pro hospital porque um cachorro mordeu seu rosto (e ela continua louca por cachorros); porque comeu veneno de rato, porque derrubou um portão em cima dela mesma. Já deu pra sentir o nível da pessoa. Sendo assim, tombos e tropeções são parte de sua vida, e ela aprendeu bem a lidar com isso. Sempre que cai levanta imediatamente e diz: “tô bem!”
Hoje foi meu dia de dizer “tô bem!”. Sai da vila de Mount Laguna pouco depois de meio dia. A trilha é tranquila, corta o asfalto que leva a cidade e continua. Vinha no meu passo rápido usual, tropecei e me esborrachei no asfalto. Nada demais, um tombo besta, mas ralei novamente o joelho, já cheio de cicatrizes, depois de muitos anos (acho que Lis tem a que puxar).
Mount Laguna está a 12 quilômetros de onde passei a noite. Cheguei ali por volta das dez da manhã e um monte de hikers estavam sentados à porta do prédio que é a única loja e correio do vilarejo. Roupas, barracas e equipamentos de espalhavam pelo lugar, todos tentando secar da chuva da última noite. Dei um bom dia – todos haviam começado junto comigo, mas não os havia visto nos dias anteriores – e fiz o mesmo. Entrei na loja pra comprar comida e carregar as baterias dos eletrônicos.
Fiquei duas horas por ali, conversando com locais e outros hikers que ia e vinha e foi alguns minutos depois que levei meu tropicão. Mas apesar do tombo o dia foi super bom. Fazia frio – o termômetro não passou dos 9 graus – mas o sol ajudava. A paisagem começou a mudar: a vegetação está ficando mais baixa e o terreno mais seco.
Cruzei a marca de 50 milhas e logo depois encontro Shuffles e Ellie, que também começaram comigo, e Miki, uma bipo-australiana simpática de menos de um metro e meio e uma mochila quase do seu tamanho. Ela vinha andando a passos lentos, usando botas pesadas, uma meia calça e por sobre elas, um short. Vinha conversando com ela quando pediu pra parar. “Minhas bolhas estão me matando”, ela disse. “O que você está fazendo usando essas botas? Compra um par de tênis!”, comentei. “Meus pés são muito pequenos. Tenho que comprar na sessão infantil e não achei nenhum que me servisse”. Quando tirou as botas vi o quanto a situação era complicada. Band-aids e esparadrapos cobriam quase todo o pé. Eram dezenas de bolhas. Quando Miki descobriu o dedão e apertou a bolha um jato de líquido jorrou pro alto. “Acho que você deveria caminhar o resto do dia de sandálias”, disse Shuffles. “É menos de um quilômetro até o ponto de água”.
E assim fomos. O ponto, uma torneira em uma área de camping, é o único disponível pelos próximos 20 quilômetros. Por isso quase todos os hikers que começaram dia 15 estavam por ali, aproveitando a sobra, a água e tentando decidir onde iriam passar a noite. As opções eram escassas: saí antes deles para garantir pra mim um lugar longe do vento, outro problema nessa região.
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