Dia 82, 05/07: Rutherford Shelter (1333.4) a Vernon, NJ (1356.9)
Distância do dia: 23.5 milhas | 38,81 km
Distância total: 1356.9 + 8.8 milhas | 2197,88 km
Distância que falta: 832.9 milhas | 1340,42 km
Tem dias que conseguem te surpreender até depois que você acha que o dia acabou. Se ontem o dia foi longo mas nada aconteceu, hoje foi cheio, mas cheio de histórias.
Eu precisava chegar em Vernon, ainda em New Jersey mas quase divisa com New York (passei o dia sobre a linha dos dois estados) pra tentar resolver a novela do cartão. Na verdade, ir a um banco e tentar sacar dinheiro, já que o Itaú continua me jogando no buraco com as outras funções.
Acordei cedo mas os dois caras que estavam no abrigo já tinha saído. Ouvi os dois conversando logo no amanhecer, ali pelas cinco, mas só levantei por volta das sete. Andei pouco mais de uma hora até chegar no prédio da administração do parque. Usar o banheiro, jogar fora o lixo, pegar água e o refrigerante que eles dão de graça pros thru hikers, era isso que precisava fazer. Como ainda não tinha comido nada aproveitei pra fazer os miojos que achei ontem.
Sentei na mesa de piquenique e chegam cinco section hikers, quatro homens e uma mulher, todos ali na faixa dos sessenta. Vão ficar fora só uma semana, caminhando as 65 milhas de Nova Jersey. “Você comendo miojo pelo visto está fazendo tudo”, comentou um deles. “Acredita que é a primeira vez? Eu tinha prometido pra mim mesmo que não iria comer miojo na trilha. Por causa dos problemas com que estou tendo com meu banco tive que quebrar a promessa”, comentei. Contei a história do cartão, de estar ficando sem grana, mas que tinha um plano B. Quando os caras se levantam pra buscar água a senhora bota a mão no bolso, pega uma nota de 20 dólares dobrada e coloca nas minhas mãos. “Toma. Não é muito e eu não preciso. Vou ficar fora só uma semana. Eu sei o que você está passando. Quando minha filha foi pra Espanha aconteceu a mesma coisa com ela. Você contando eu só lembrava da agonia da minha filha em outro país, sem dinheiro”.
Pronto. Desabei a chorar. Ela também. Disse que uma das coisas que a trilha provoca é restituir em você essa esperança nas pessoas. O que eu não disse a ela foi que o modo como ela pegou o dinheiro e colocou nas minhas mãos, a expressão no rosto dela, as rugas, tudo me lembrou quando minha mãe me dava um dinheiro pra merenda na escola, meio que escondido do meu pai e do resto da família: “Toma aqui um dinheirinho pra você merendar na escola”, ela dizia.
Nós dois desfarçamos quando os caras voltaram. Saí dali e desabei no choro de novo…
Como disse, o objetivo do dia era chegar a Vernon. A cidade fica a uns 5 km da trilha. Mas o guia listava uma igreja que dava carona e deixava os hikers passar a noite. “Ligue com antecedência para que possam se programar”, dizia o guia. Liguei por volta de meio dia. Secretária. Deixei recado falando que iria chegar por volta das 5 e que ligaria de novo. Deixei um recado por hora e nada. Já chegando na cidade recebo uma mensagem. “Oi, você deixou um recado na minha secretária mas essa informação tá errada no guia. Eu nem estou em Vernon! A igreja que fazia isso fechou e não sei como meu telefone foi parar lá”.
Vernon, claro, não tem outro hostel. A igreja não existe mais. Eu não tenho grana pro hotel, mas tenho que ir na cidade ver a coisa do banco, talvez consiga o dinheiro… No poste no cruzamento da trilha com a estrada o anúncio de uma lanchonete do outro lado da rua. “Ok, vou lá, tomo uma Coca e tento uma carona”.
Quando chego tem uns dez hikers sentados. Vou chegando pra tentar descobrir onde vão ficar e escuto um “você é o Jeff?” Era o Ethan, o cara que ficou em primeiro na promoção do The Trek. “Cara, venho te seguindo. Sabia que você estava perto. Que ótimo te conhecer! Vai ficar aqui? A gente tá acampado aqui atrás da lanchonete”. Expliquei que talvez, mas que tinha que ir na cidade antes. “Aquele pessoal ali tá de carro e indo pra lá agora”. Pronto. A carona…
Nos bancos, nada. Continuo sem conseguir sacar. Ainda assim preciso de comida. Vou ao supermercado gastar o restante do dinheiro que ganhei pela manhã e estou na porta guardando as coisas na mochila quando um cara passa: “vai voltar pra trilha? Espera aí que te dou uma carona”.
Opa! Maravilha. Fico ali tentando falar no banco e ativar meus planos B e C (mandar antes as comidas que eu tinha deixado separado pro Maine, onde quase não tem loja e fazer chegar até mim um cartão reserva vindo do Brasil) até ele voltar. Na carona ele diz que logo no início da trilha tem um bom lugar pra acampar. Aceito a dica.
O lugar é bacana, bom visual da montanha, por do sol lindo. Monto a barraca e o vento começa a soprar tão forte que quase joga a barraca no chão. Já noite, escuro, desmonto tudo e vou procurar outro lugar. Acabo de montar a barraca de novo não faço ideia onde. A trilha tá aqui perto que sei. A comida eu dependurei meio mais ou menos. O único lugar que achei, já no escuro, foi galho muito perto da árvore. Pode ser que amanhã eu tenha que comprar mais uns pacotes de miojo, se um urso resolver vir cheirar esses daqui…
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