Dia 131, 23/08: Katahdin Stream Campground, The Birches Lean-tos (2184.6) a Katahdin, Baxter Park, Northern Terminus of the AT (2189.8)
Distância do dia: 5.2 + 5.2 milhas | 16,73 km
Distância total: 2189.8 + 8.8 + 5.2 milhas | 3546,67 km
Distância que falta: 0 milhas | 0 km
Dias que faltam: 0
Sabe criança na véspera de natal? Goleiro antes do pênalti? Aquela ansiedade, aquele desejo de ao mesmo tempo e prolongar aquele momento mas querendo que ele aconteça rápido? Eu estava assim ontem a noite. Já não venho dormindo bem há alguns dias – o corpo doi, o osso da bacia dói quando viro, as pernas doem todo o tempo, os pés latejam, a cabeça não para – mas essa noite foi pior.
Às cinco em ponto ouço Wash Bear dizendo “bom dia”, em português mesmo. Éramos só os dois no abrigo. Senator havia ficado sozinho no outro – cada um cabia 6 pessoas – e mais um hiker que a gente não conhecia estava acampado. “E aí? Como está se sentindo?”. Ele também não sabia explicar muito bem. “É hoje, cara. Acabou. O dia vai ser lindo”, ele disse.
A gente tinha planejado esse dia há mais de um mês, quando compramos as passagens aéreas e decidimos que iríamos caminhar juntos até o final. Fizemos nosso planejamento de milhas por dia de caminhada e seguimos firme. Perdemos um dia quando decidimos não subir Wildcat com chuva e tiramos o atraso nas 100 Miles Wilderness. Funcionou super bem. Mas pra funcionar totalmente precisávamos do dia lindo hoje.
Ontem, como prevíamos, choveu toda a noite. Muito. Mas naquela hora, às cinco da manhã, ainda clareando, a chuva já estava minguando. Decidimos sair os três juntos quando o dia clareasse. Deixamos o acampamento às oito. Eu e Senator deixamos a maior parte das nossas coisas no posto dos guarda florestais. Fomos com o básico: mochila, água, blusa de frio, uns lanches. Wash Bear, cabeça dura, levou tudo.
O início da subida a Katahdin é tranquila. As primeiras duas milhas das 5.2 milhas até o topo são em a ascensão gradual, tranquila, sem pedras. Mas quando chega a hora de subir de verdade a história muda. Katahdin tem mais de 5 mil pés de altitude e as próximas 3 milhas são de escalada. O tempo abria e fechava, com neblina cobrindo tudo, a cada cinco minutos. Fazer isso com chuva é impensável. Bastões de caminhada são quase desnecessários. Quando se chega acima do nível das árvores a coisa fica mais simples. Uma subida pesada, nas pedras, mas bem mais fácil que os paredões que você acaba de passar. E quando você vai subindo já dá pra ver lá no alto a placa que marca o final da Appalachian Trail.
Se tem um momento que eu queria que alguém tivesse fotografado foi o exato segundo quando chegamos ali. Eu vinha na frente, Wash Bear depois, Senator por último. Paramos na placa, os três colocaram a mão na madeira, olhamos um pro outro e não falamos nada. Não precisava. Cada um vivia ali, naquele instante, a realização de um sonho.
“Tem uma coisa sobre o final da trilha que eu preciso te falar”, eu disse sério pro Wash Bear no dia anterior. “Eu vou chorar. Eu vou tirar muitas fotos. E eu preciso gravar um vídeo pra Lis, onde eu finco a bandeira e falo o nome de todo mundo na nossa família”. Ele respondeu: “ok. Talvez eu chore também. E me lembre que eu preciso pegar uma pedra de Katahdin pra coleção da minha esposa”.
“Você precisa pegar uma pedra”. Foi a primeira coisa que eu falei. Tirei a mão da placa, sentei e chorei. Muito. Soluçava e as lágrimas caiam em abundância. Wash Bear colocou a mão no meu ombro. Ele também chorava. Enxuguei as lágrimas, levantei e ele me deu um abraço. “Acabou. Conseguimos, cara. A gente andou 2200 milhas!”, ele disse.
Uma coisa que preciso falar sobre Katahdin: a trilha da Appalachian Trail não é a única forma de chegar ali. Existem pelo menos outras três trilhas que levam até lá. A AT, dizem, é a mais difícil. Mas por causa das outras o lugar tá sempre cheio. Quando a gente tava lá tinham mais umas 20, entre day e thru hikers. E como a gente tinha acabado de acabar e sabia que a AT era difícil escolhemos descer pelaaod fácil das trilhas.
Mas a mais fácil não é tão mais fácil assim. “Tenho certeza que isso aqui foi um desmoronamento e os caras falaram: olha! Temos uma trilha nova!”, disse o Wash Bear. A sensação era mesmo essa.as pelo menos dava pra ver onde a gente estava colocando os pés.
Na chegada ao estacionamento o pai do Senator esperava pela gente, com sanduíches e cervejas. Nossa comemoração foi ali. Um brinde, um sanduíche e estrada pra Millenocket.
Acabou. 2200 milhas. 3500 quilômetros. 131 dias. 5.000.000 de passos. A coisa mais difícil que já fiz na minha vida. Uma aventura incrível.
serranegraarquitetura
PARABÉNS VELHO. AGORA VOLTA LOGO SE NÃO ALE NÃO AGUENTA!!!KKKK
Ale Starling
Sensacional! PARABÉNS Jeff!
luciana*
E agora? Vai fechar a Triple Crown? 😉
Jeff Santos
Acho que não, viu Luciana… devo fazer outra coisa!
Marco Reis
Jeff, acompanhei sua trilha pelo Extremos e queria deixar aqui meus parabéns e até mesmo o agradecimento por compartilhar as emoções, experiência e dores do trajeto.
Naturalmente, é uma grande força motivadora. Enquanto a gente fica nessa correria do cotidiano, acaba passando o tempo. Ouvir sua história me lembrou de dar uma parada na rotina louca e planejar minhas trilhas. Nunca tinha imaginado uma de tão longa distância, mas agora mudei minha visão. Acho que é o momento de uma trilha de mais de 100km (ok, essa distância é coisa de criança depois da Appalachian).
Mais uma vez, parabéns pela conquista.
Jeff Santos
Pô, Marco, valeu! Que bom ter esse tipo de retorno e saber que minha história te ajudou em alguma coisa! Abraço!
Cinco documentários sobre a PCT – longadistancia.com
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