A trilha da trilha: Nine Inch Nails – Hurt
Ela já estava morta. Ainda assim era parte de mim. Quando toquei senti que não iria sofrer tanto se a tirasse dali. Fui até a hiker box na entrada do hostel (as hiker box são caixas onde os caminhantes deixam tudo aqui que não querem ou não precisam mais: de roupas a comida, de cabos e eletrônicos a medicamentos, que era o que procurava) e peguei tudo o que achei que fosse precisar: álcool, esparadrapo, gaze. Com meu pequeno canivete fui levantando aquela coisa rígida. Em determinado momento senti que ainda estava grudada em meu corpo e não iria sair tão facilmente. Com a tesoura do canivete fui cortando a pele aos poucos. No último corte algumas gotas de pus escorreram pelo meu dedão. Pronto: eu estava sem a unha do meu pé.
Vou poupa-lós de ver a foto de um dedão sem a unha. Como eu imaginava não doeu: mas é aflitivo pra cacete ver sua unha inteira sendo arrancada. Não consigo imaginar a dor e o desespero de quem passou com as unhas ainda sãs.
Lendo o início do relato de hoje você pode imaginar que o dia foi terrível. Pelo contrário. Fui o primeiro a acordar e sair do camping lotado, prevendo que a cidade de Big Bear estaria cheia. Eu estava certo. O hostel onde estamos hospedados está lotado e só conseguimos uma cama porque chegamos cedo – e havíamos pedido à Sydney, que pulou parte da trilha e veio pra cá ontem, pra reservar lugar pra gente.
E estar na cidade significa descansar e fazer um tanto de coisa que não da pra fazer quando se está na trilha: tomar banhos (foram dois), lavar as roupas, carregar as baterias dos eletrônicos, ir ao correio, comprar suprimentos pra semana, comer.
Almoçamos hamburger, pegamos o ônibus local para ir ao supermercado da espalhada cidade, reorganizamos mochilas e fomos jantar em um ótimo restaurante himalaio com o Super Vegan, um thru-hiker nipo-americano que fez a trilha ano passado e este ano está refazendo de carro, parando nas cidades por onde a trilha passa e ajudando os caminhantes desse ano.
Amanhã ele leva a gente de volta pra trilha pela manhã. Serão mais 30 quilômetros. Mas apesar de estar levando na mochila toda a comida pra uma semana, vou estar mais leve: deixo pra trás uma unha do pé.
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