Appalachian Trail S01E77

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Dia 77, 30/06: Eckville Shelter (1232.6) a Palmerton, PA (1257.9)

Distância do dia:  25.3 milhas | 40,71 km

Distância total: 1257.9 + 8.8 milhas | 2038,55 km

Distância que falta: 931.9 milhas | 1499,74 km

As pedras são pontiagudas e andar sobre eles requer atenção. Seus olhos ficam fixos no local onde você vai pisar. Não é possível pensar em mais nada, a não ser “onde vou colocar o meu pé agora”. Durante todo o tempo você tenta de desviar daqueles que podem te machucar (o que nem sempre é possível). Com isso você anda de forma pouco natural, fazendo um esforço tremendo nos tornozelos. Mas não é só isso: um enxame de pequenas muriçocas voam o tempo todo na frente do seu rosto, como que tentando entrar nos seus olhos e nariz. Moscas maiores voam ao lado, zumbindo em seus ouvidos. Para afugentá-las ando com a bandana na mão, batendo sobre os ombros, intercaladamente. A imagem que tenho de mim mesmo é a de um fiel andando sobre brasas e se chicoteando. Eu sei que pequei, Senhor, mas o castigo poderia ser mais ameno…

Tá foda. Se o início da Pensilvânia me surpreendeu porque estava mais fácil que pensava, as pedras são muito piores do que aquilo que tinha em mente. Você passa um tempo andando por grandes blocos de pedras jogadas no meio do nada, se equilibrando naquelas que parecem mais firmes, subindo e descendo aquele amontoado de rochas, e quando finalmente consegue sair vem as pedras pequenas, que você precisa tentar se desviar. Conversando ontem com outros hikers a SeaHorse comentou que parece que todas as pedras foram afiadas, uma a uma. O Candle respondeu: “todas não: quatro de cada cinco. A que não parece afiada é a você você vai colocar o pé. E ela é a única pedra solta, que vira logo que você pisa…” É isso mesmo.

Eu saí cedo de Eckville, o Quiet Man logo antes de mim, o Chop Sticks logo depois. Eu já não tinha mais comida, então o objetivo era chegar em um restaurante que o guia apontava lá pela metade do caminho na hora do almoço e na próxima cidade ao final do dia. Passei o Quiet Man (um senhor de uns 60 anos, realmente quieto, tranquilo e educado) e logo depois cruzei com o Bullet, um alemão que começou em maio e faz jus ao nome. Cheguei no restaurante exatamente ao meio dia. Tall Boy e Sea Horse estavam na porta. Tinha ficado no shelter antes dali e esperavam o lugar abrir desde as dez e meia.

Dividimos uma mesa, cada um pediu um hambúrguer, eu e Tall Boy também uma cerveja. A gente vem se encontrando já faz algum tempo. Ele acha que já há mais de um mês. Apesar dele ter começado antes, temos mantido o mesmo ritmo. Bullet chegou logo depois. E Quiet Man. Quando estávamos saindo aparece o Chop Sticks. Apesar de cada um ter seu ritmo, essas paradas sempre reúnem o grupo.

Quiet Man e Chop Sticks iriam ficar no próximo shelter. Os outros combinaram de encontrar na cidade. Segui na frente e descendo a montanha desaba a chuvarada.  

São três cidades próximas, cada uma a duas milhas da trilha. Iríamos ficar na cidade mais ao norte, a única com uma opção barata de hospedagem. Ensopado, não ousei pedir carona. A chuva já tinha passado e eu resolvi andar pela trilha paralela que leva a ela. Me senti como na Estrada Real, onde me perdia na entrada ou saída de cada cidade.

Ao contrário da AT, a trilha não tinha sinalização. Já começava a ficar tarde (era 7:30 da noite, mas ainda com sol) e o hostel era operado por um restaurante que fechava as oito. Abri o Google Maps e vi que estava a 800 metros do lugar, mas não conseguia ver nada, apesar de estar no alto de um morro. De um lado um rio, do outro a rodovia, a trilha que levaria à cidade indo na direção contrária do que o mapa mostrava…

Desci da trilha me equilibrando pelas pedras pra chegar numa estrada paralela. Uma ponte cruzava o rio. Do outro lado grades e um portão. Trancado. Volto, pulo o gradio e cruzo o rio pelo encostamento da rodovia. Volto pra estrada paralela. Sigo acompanhando a rodovia, o Google Maps sugere outro caminho. Mais estrada fechada, placas de “Keep Out” e “Postes: Private Property”. Sigo assim mesmo, até chegar em um campo de basebol, cruzar a linha de trem e finalmente chegar na cidade.

Cheguei ao restaurante 8:15. Cansado, molhado, doido pra tomar um banho. Por ser sexta ele fechava meia hora mais tarde que o normal, às 8:30. Quando abro a porta tá lá o Bullet. “Eu fiquei um tempo tentando pegar uma carona e não conseguia. Daí a Sea Horse chegou e o segundo carro que passou parou pra ela”, ele disse.

O lugar é uma garagem nos fundos do restaurante. Mas tem um colchão e podemos usar o banheiro e chuveiro dos funcionários. Tudo o que eu precisava: um banho, colocar roupas secas e deixar, sem ter que pensar onde colocar o meu pé agora.



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