Distância do dia: 30,28 km. Distância total: 892,07 km.
É impressionante como caminhadas de longa distância conseguem te surpreender. Pode ser a Estrada Real, Santiago de Compostela, Caminho da Fé. Independente. O fato é que quando você já acha que viu de tudo, que o caminho já deu, que nada mais pode fazer diferença é lá vem o destino e cataplof!, toma desavisado, que a vida é desse jeito. Surpresas acontecem, o tempo todo, e isso que deixa tudo mais fascinante.
Pra você acompanhar os altos e baixos da rotina de se achar uma cama: primeiro foi Roberto, casa caindo aos pedaços, imunda, caminha de solteiro, colchão ruim. R$70 com a janta. Vale a experiência, foi divertido, ele é bacana e tal. Dia seguinte, Pousada Cruzília, o local mais confortável até agora (e eu incluo aí as duas noites com Alê em Santo Antônio do Leite e quiça minha própria cama). Camão king size, TV 40″, chuveiro quente e abundante, telefone no quarto, atendimento surpreendentemente simpático da Dani, café da manhã com pão, bolos, suco natural, iogurte, frutas… R$50. R$60 incluindo os 3 chocolates e a água do frigobar. Hoje, Pousada Filipenses. Quarto de 2×1 sem janela. Nada de café. Colchaozinho fuleiro, travesseiro idem. R$40 pratas, no dinheiro.
Cruzília, eu já disse, foi uma grata surpresa. Da loja de queijos na entrada da cidade – o que foi aquele queijo quente?? Alguém me explica??? – à Pousada, que eu antes estava em dúvida entre ela e o Hotel Central, ao jantar na Pizaria do Lelinho. O Lelinho, deu pra sacar, é o cara também por trás da pousada, que fica acima do seu comedouro. Quando cheguei ele me cumprimentou, separou a mesa e sentou comigo. Me explicou um a um os pratos – é pizzaria, mas também tem jantar – com detalhes do tipo “esse aqui você não pede não. Esse também não: salmão você come em qualquer lugar”. Me serviu um chope da Ecobier na temperatura correta, com o colarinho no tamanho certo é uma picanha exatamente no ponto que pedi. Eu queria mudar pra Cruzília no dia seguinte.
Mas no dia seguinte eu já tinha compromisso. Esperei até as 7:00 pro café – depois de tudo que já tinha visto não iria perder por nada desse mundo – e segui rumo à Baependi. Lá ia eu achando tudo meio monótono, chato, quando passo pelo seu Célio tomando sol na porta de casa. “Esquentando um solzinho aí né?”, mexi com ele. “É! É bão né? Você não deve estar com frio. Indo pra Aparecida?”. Jogou a isca, eu fisguei. Já fui entrando pelo portão batendo papo, dando bom dia pra fria e a esposa. Ele contando que já andou muito por essas bandas todas, ia levando lenha no carro de boi, isso lá pelos anos 50, porque só com a dona Valteresa, que é sua segunda esposa, já está a 52 anos. E que quando jogava como meio de campo do Flamengo de Caxambu, ninguém passava por ele não. Mas agora não: “caí aqui no quintal e fudi esse joelho”, conta ele, levantando a perna esquerda da calça.
E quando fui chegando mais perto de Baependi que me dei conta de como ela e Caxambu são coladas uma na outra. Não são 6 quilômetros. Não tinha ouvido falar de Baependi até recentemente, quando meu cunhado batizou a filha lá, na Igreja de Nhá Chica. Como já tinha passado no lugar onde a beata nasceu, em Rio das Mortes, e lá era o lugar pra carimbar o passaporte, passei também na igreja dela, e na Matriz, que fica pertinho do bar Fecha Nunca, que tava fechado.
E segui pra Caxambu. Estradinha de terra, uma pedraiada danada, eu ia tranquilo, canela sem doer (tinha tomado Vitamina I antes de sair), até chegar no Parque das Águas e carimbar o passaporte de novo. E da entrada eu olhei pra dentro do parque e já achei aquilo bonito demais. Olhei o preço da entrada: 5 reais. “Isso é só um parque?”, perguntei desavisado. “É um parque, tem piscina, pedalinho, doze fontes de água mineral…” Para. Doze fontes de água mineral? Posso vir trazer minha garraf e enxer? E é Caxambu, né? A água Caxambu, ora bolas! A fábrica da água, se é que se pode falar assim… Achei a pousada, deixei as coisas, tomei um banho rápido e voltei, garrafas vazias na mão. Aí que fui notar o povo vendendo pets vazias na porta. E o povo carregando garrafas vazias na rua. A onda é essa: paga cinco contos, leva 50 litros da melhor água mineral gasosa natural pra casa.
E o parque é lindo, e eu ia de fonte em fonte experimentando as águas, como se eu estivesse degustando vinhos em Bordeaux ou Mendoza. “Hum, muito terrosa. Alto nível de magnésio. Poderia ter um pouco menos gosto de ferrugem…” E ia passando de fonte em fonte, até achar duas que me agradavam (fiquei na Leopoldina e Viotti, se querem saber). E conversava com o pessoal que ia pegar água, cada um defendendo sua fonte predileta como se defende seu time do coração. Não fui na piscina (cara, uma piscina de água mineral! É muita ostentação!) nem no balneário (massagens, alguém?) mas amei o parque e a cidade. Mais uma pro roteiro de volta. E mais uma lembrança de que você não sabe nada dessa vida, meu amigo.
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