Distância do dia: 36,69 km. Distância total: 816,58 km.
A primeira pessoa que encontrei quando cheguei a Carrancas foi o Magrão. Ele vinha descendo a rua cantando um funk, vestindo uma camisa da Seleção, trazendo na mão um garrafa de refrigerante com cachaça dentro e dois cigarros de palha. “Rapaz, você é a cara do Saulo!”, ele me disse quando me viu. Conversou, contou que era churrasqueiro em Lavras (“você tem que ir lá! É meu convidado!”) e disse estava vindo do bar da Ana, onde tinha pegado a pinga fiado. “É boa! Experimenta!” Não fiz desfeita e tomei um gole. E foi assim minha entrada em Carrancas: tomando cachaça.
Na manhã seguinte, o sino da igreja batia sete quando saí da padaria onde tomei um café -dois, tomei dois cafés – e comi um pão na chapa. Saí seguindo os marcos da Estrada Real, que coincidiam com as placas para o Complexo da Zilda. Nesse trecho o CRER segue outro caminho, passando por Estação de Carrancas. Eu ia seguindo a Estrada Real: trecho tranquilo, sem surpresas, nada de memorável. Quando o caminho da ER e do Complexo de Zilda se separam, a uns 12 km da cidade, relutei entre continuar no caminho ou visitar o Complexo. Decidi andar uns 5 km a mais e ver de perto as cachoeiras e pinturas rupestres do local.
Decisão errada. O caminho não é tão fácil – subidas, descidas, curvas, pedras – e a partir do complexo (um conjunto de meia dúzia de casas e uns dois restaurantes) é mais um tempo até as cachoeiras. Me contive com a mais fácil – a do Índio – e as pinturas perto. Deixei de ver pelo menos mais cinco cachoeiras perto. Mas tinha tempo curto e pensava na volta, além dos outros 15 km até Traituba.
A partir da metade do caminho uma dor na canela direita começou a me incomodar. Passei pomada e nada. Andri um pouco mais e lasquei um Salompas no local da dor. Nada de alívio. Continuei andando miudinho, passos curtos, tomando mais tempo que que o normal, parando mais que o usual. Tomei toda água que tinha antes da chegada, me cansei mais que costume.
Custei a achar a casa do Roberto, meu pouso do dia. Ela fica ao lado da estação de trem de Traituba, que já não funciona há alguns anos. Os trens ainda passam, levando minério ao porto. Quando cheguei Roberto me esperava na porta. A casa é uma fazenda antiga, que já foi pousada no passado. Hoje guarda pouco daqueles tempos. Decadente, tem forro furado na sala, e forro algum em outros cômodos. As paredes estão rachadas, o piso afundando, os móveis quebrados. Mas Roberto mantém o clima alto com boa conversa e atenção. Enche o tanquinho para que eu posso lavar algumas roupas (“o sabão é minha irmã que faz”) e me mostra o caminho pro pé da laranja mais doce (“pode ir direto, lá perto do chiqueiro”).
Enquanto ponho as roupas pra checar chegam mais dois hóspedes. Paulo e Adilson estão fazendo a Estrada de bicicleta e estão no meu encalço desde Casa Grande, dizem. Dividimos casos de viagem, umas doses da cachaça que o próprio Roberto faz, uma garrafa de vinho que os ciclistas trouxeram e a janta: frango caipira, arroz, feijão, angu e salada.
Amanhã o dia é longo (mais de 40 km) mas por mais que eu goste confesso me que a canela me preocupe. Se a coisa ficar pior vou ter que ficar aqui, tomando a cachaça do Roberto ou da Ana com o Magrão.
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