Serón a Dickson: 19 km
Para alguns acontecimentos de nossas vida nada resta a não ser agradecer por estar no lugar certo, na hora certa. Aquele show histórico de sua banda predileta, a vitória na final do campeonato do seu time do coração, o encontro inesperado com seu ídolo, esbarrar um dia em alguém e aquela pessoa se tornar o seu grande amor. Chame de sorte, privilégio, presente, milagre. Chame como queira, mas agradeça por estar ali, naquela hora.
Saímos hoje às 7:30 do acampamento Serón. Antes de nós só outros dois caminhantes. “Ah, mas eles são homens e não tem que ficar esperando a mulher se arrumar”, brincou a Ale. De Serón a Dickson são 19 km e aquele seria o primeiro desafio dela. Estava assustada com a distância. Ainda mais depois do dia de ontem. Mas hoje, mais leve e com o visual da manhã, foi mais tranquilo pra ela.
As primeiras quatro horas do dia foras aqueles que estou até agora agradecendo. Um arco-íris completo nos acompanhou por toda a manhã. Gigante no céu, deixava no chinelo a beleza dos lagos e montes da Patagônia. Às vezes vinha duplo, com dois arcos se sobrepondo, nascendo no lago e morrendo na montanha. “É um presente, né?”, disse a Alê. “Não, é só um fenômeno físico, porque o sol está forte já de manhã e tem uma chuvinha fina vindo, mas agradeço por estar aqui, agora. É lindo”, respondi.
E a chuva, meio que pra me mostrar minha indelicadeza, só aumentou. Foi crescendo, apagando do céu o arco-íris e a parte da tarde foi toda debaixo d’água.
Os 19 km de Serón a Dickson são divididos ao meio por um posto da Guarda Florestal Chilena. A primeira parte é incrível: lagos, árvores retorcidas, o Passo dos Ventos, onde é difícil ficar em pé e onde perdi meu boné (era seu destino: já o havia encontrado no meio da trilha na Appalachian Trail e agora alguém irá encontrá-lo em Torres del Paine, só pra perde-lo de novo em outra trilha) e quase perdi meus óculos. A segunda parte é monótona: plana, onde o único atrativo é a chegada ao belíssimo local do Refúgio Dickson. E tenho que confessar que minha percepção pode ter sido alterada pela presença do arco-íris por quase toda a primeira parte e pela chuva durante toda a segunda metade.
Além de cortar a trilha ao meio o posto da guarda também marca a entrada no parque de Torres del Paine. Todo o famoso Circuito W – que vai, em sentido anti-horário, de Paine Grande a Serón, incluindo as Torres em si e onde ficam a maioria dos turistas e estão os campings mais caros – é privado, operado pela Fantastic Sur. A outra metade é o parque federal, onde os refúgios são operados pela Concessionária Vértice. O próprio governo também mantém duas áreas de camping mais simples, sem refúgio, uma em cada metade do circuito, e que são gratuitos.
Parece confuso, e é. São três operadoras, e pra percorrer o Circuito O como estamos fazendo é preciso ter as reservas nos campings das três – ou pelo menos das duas empresas. Só que os sistemas não são integrados: você pode reservar em uma e quando for tentar a reserva na outra não ter mais vaga. Aí você não tem alternativa a não ser mudar os planos, porque sem reserva em todos os campings que você planeja ficar os guardas florestais simplesmente te mando embora, sem dó nem piedade. Quando a gente estava fazendo as reservas – ainda em outubro – não conseguíamos de jeito nenhum reserva em alguns dos campings. Por causa disso acabamos ficando em refúgios em alguns deles.
Essa é outra opção: você pode acampar, ou pode alugar uma barraca, ou pode ficar em um refúgio simples, ou no mesmo refúgio com um pouco mais de luxo, ou pode ter as alimentações inclusas… Você pode fazer o Circuito O gastando em média 50 reais por dia (acampanando) ou 500 reais por dia (ficando em refúgios, com cama feita e alimentação inclusa). A escolha é sua.
Ingrid Littmann
Que lindo, vai tudo