Existem algumas informações básicas que você precisa saber antes de fazer qualquer dos Circuitos de Torres del Paine:

Você pode chegar ao parque vindo desde El Calafate, na Argentina. Mas o melhor é agendar o seu voo para Punta Arenas, no Sul do Chile, e de lá seguir de ônibus até Puerto Natales, três horas ao norte. De Puerto Natales saem diversos ônibus pela manhã ou início da tarde até o parque, numa viagem que dura mais duas horas.
Você pode trocar real por pesos chilenos em Punta Arenas. Existem lojas no centro, próximo ao Parque Municipal e também na Zona Franca.
Zona Franca: sim, existe um mall duty free na cidade. Os preços são, em geral, melhores que no centro, mas as opções são poucas. Para equipamentos e roupas de hiking procure a Balfer. São duas lojas na Zona Franca: uma pequena dentro do mall e outra maior um quarteirão abaixo.
Durante nossa viagem a conversão do peso chileno para o real foi de 1BRL=190CLP.

Espere pagar alto por alimentação, estadia e transporte em Punta Arenas ou Puerto Natales. Alguns dos preços:

Táxi Aeroporto-Cidade em Punta Arenas: 10.000 CLP (R$52,00)
Ônibus Punta Arenas-Puerto Natales: 8.000 CLP (R$42,00)
Ônibus Puerto Natales-Parque Torres del Paine: 8.000 VLP (R$42,00)
Ônibus Entrada Parque Torres del Paine-Centro de Convivência: 3.000 (R$16,00)
Entrada do Parque Torres del Paine: 21.000 (R$110,00)
Hostel em Punta Arenas (2 pessoas): USD60.00 (R$210,00)
Hostel em Puerto Natales (2 pessoas): USD70.00 (R$240,00)

Ou seja: só pra chegar do aeroporto ao Centro de Convivência, de onde você parque para qualquer um dos circuitos, cada pessoa gasta pelo menos R$200,00.

Se decidir ir de ônibus de Punta Arenas a Puerto Natales imediatamente após sua chegada você não precisa ir à cidade: todos os ônibus passam pelo aeroporto. Cheque os horários.
Puerto Natales é bem pequena e dependendo de onde for se hospedar é fácil ir andando.
Normalmente o tempo na Patagônia muda muito durante todo o dia. Espere sol, chuva, neve, frio, vento, tudo no mesmo dia – e algumas vezes na mesma hora. Mas em geral o tempo é melhor logo pela manhã.
É possível visitar a base das Torres del Paine em um dia vindo de Punta Natales. É cansativo, mas é possível. O ideal é passar pelo menos uma noite no Parque.
Se estiver programando fazer qualquer dos dois circuitos agende TODOS os seus campings ou refúgios com antecedência. BASTANTE antecedência… As reservas podem ser feitas online, no site das empresas que administram o Parque. Tenha paciência: os sistemas são confusos e pouco funcionais.
Você pode gastar R$50 ou R$500 reais por dia dentro do parque: tudo depende do grau de conforto que você exige. Caso queria acampar os preços variam entre USD8 e USD10 (R$28 e R$35) por pessoa e quase todos oferecem banheiros e chuveiro com água quente. Dois campings (Paso e Italiano) são gratuitos, mas não espere mais que um pedaço de chão pra barraca e uma fossa pra suas necessidades. Isso se você conseguir um lugar em algum deles…
É possível alugar equipamento de camping na maioria deles. No Grey uma barraca custava 18.000 CLP (R$95,00), o saco de dormir 12.000 CLP (R$65,00) e o isolante 4.000 CLP (R$21,00). Mais R$35,00 do local pra dormir e você já gastou R$216,00 por pessoa pra passar a noite…
Quer mais conforto? Fique no refúgio. São duas opções: cama simples (um colchão, sem roupa de cama – você precisa levar seu saco de dormir ou alugar um) ou cama armada (cama completa, com cobertor e travesseiro). Os preços são a partir de 32USD para a cama simples e 80USD para a armada (R$110 e R$280 respectivamente).
Você vai precisar se alimentar: nós levamos comida para 10 dias e a compra no supermercado saiu a cerca de 50.000 CLP (R$260,00 ou R$13,00 por dia por pessoa). Se não quiser carregar peso os refúgios oferecem a opção de ter sua alimentação inclusa no pacote, o chamado Full Board. No Grey o valor era de 33.000 CLP (R$175,00) para jantar, café da manhã e um kit lanche.
Se quiser ver o sol nascer na base das Torres del Paine o ideal é passar a noite no Refúgio Chileno. Mas atenção: lá é proibido cozinhar (mesmo com fogareiro) e as opções de camping são poucas. A opção é contratar o Full Board, que lá custou 60.000 CLP (R$315,00) por pessoa. Se quiser ficar em cama o preço é mais alto…

O que gastamos em camping em cada um dos campings foi o seguinte (preços sempre pra duas pessoas):

Camping Serón – Camping – 20.000 CLP
Refúgio Dickson – Cama Simples – 64 USD
Camping Los Perros – Camping – 16 USD
Camping Paso – Camping – gratuito
Refúgio Serón – Cama Armada – 160 USD
Refúgio Paine Grande – Camping – 20 USD
Camping Italiano – Camping – gratuito
Camping Francês – Camping – 20.000 CLP
Camping Central – Camping – 20.000 CLP
Refúgio Chileno – Camping Full Board – 120.000 CLP

Total em reais: R$2.150,00 (R$1.075,00 por pessoa, ou R$107,50 por pessoa por dia)

Ficamos em refúgios simplesmente porque não conseguimos reservar camping em todos os lugares. Fizemos nossas reservas em Outubro. Viajamos em Março…
Enquanto estiver dentro do Parque, esteja sempre com seu Passaporte e cartão de imigração em mãos. Eles são exigidos em todos os campings.
Não subestime o clima. A temperatura média em março é entre 5 e 15 graus. Pegamos temperaturas negativas e neve: o mês de março mais frio de todos os tempos. Também não se esqueça dos famosos ventos patagônicos.

O relato da nossa viagem, em Março de 2018, começa abaixo:


Torres del Paine S01E01

Laguna Amarga a Serón: 13 km

17:30. Ainda é dia e o sol vai demorar a se por. O dia escurece por volta das dez da noite. Apesar disso ela dorme profundamente. Não se importa com o grupo de garotas que conversa em espanhol na tenda ao lado. Não se importa com o barulho do pequeno gerador que alimenta a energia na casa que serve como recepção do camping. Mais que isso: não se importa com o vento que faz nossa barraca curvar completamente e faz com que o teto encoste no seu saco de dormir. Ela dorme profundamente, e deve continuar assim até a manhã.

O dia começou cedo. Acordamos às 5:30 e às 6:15 deixamos o ótimo Ameríndia Hostel (reservei pelo Booking.com e pagamos US$70 pelo quarto duplo, com banheiro compartilhado), em Puerto Natales, com destino à rodoviária. O café só seria servido às 6:30, mas havia combinado na noite anterior de deixaram preparado um kit pra viagem: um misto frio, alguns biscoitos, uma maçã verde, azeda e com a casca dura e sabor intenso. Foi isso o que prepararam: não o que eu pedi.

Caminhamos por meia até chegar ao terminal. Dali foram mais duas de ônibus (15000 pesos ida e volta) até a entrada do parque. O cenário é de tirar o fôlego, com lagos e as torres dominando a paisagem.

Na chegada à entrada principal, em Laguna Amarga, é preciso descer, preencher seu formulário de entrada, pagar a taxa (21000 pesos por pessoa), assistir a um vídeo do parque (não faça fogo ou você pode pegar 2 anos de cadeia e pagar 2 mil dólares de multa e se tiver incêndio são 5 anos e 6 mil dólares de multa, não alimente os animais, leave no trace e lembre-se: não faça fogo ou…) e só então pegar sua mochila e subir em outro o ônibus (mais 3000 pesos por pessoa), que vai te deixar no estacionamento. Dali começa a trilha.

A cotação atual do real para o peso chileno está em em 1 pra 190. Ou seja: a entrada do porque custa 110 reais, o ônibus de Puerto Natales ao parque ida e volta quase 80 e os 10 minutos da portaria ao estacionamento mais 15 golpes por pessoa. Sim, as coisas aqui na Patagônia são caras, e dentro do parque muito mais: 21 reais uma cerveja lager em lata, 100 um Casilero del Diablo, 120 um jantar. Por isso trouxemos nossa comida pros 11 dias de trilha. Isso significa que economizamos no bolso e ganhamos em peso. As mochilas estavam com 12 quilos a da Alê, quase 15 a minha.

“Estavam” porque faltando uns três quilômetros pra chegar ao acampamento a Ale arriou. Achei que não fosse querer continuar, mas ela é durona. Chorou de cansaço depois de 10 km entre Torres e Serón (e já tinha andado mais dois da pousada pra rodoviária). Coloquei na minha mochila a comida que estava na dela – uns 4 quilos – e chegamos ao acampamento no meio da tarde.

E agora, 17:30, ela já está dormindo profundamente, sem ligar pras rajadas de vento que quase levam ao chão a barraca.

Torres del Paine S01E02

Serón a Dickson: 19 km

Para alguns acontecimentos de nossas vida nada resta a não ser agradecer por estar no lugar certo, na hora certa. Aquele show histórico de sua banda predileta, a vitória na final do campeonato do seu time do coração, o encontro inesperado com seu ídolo, esbarrar um dia em alguém e aquela pessoa se tornar o seu grande amor. Chame de sorte, privilégio, presente, milagre. Chame como queira, mas agradeça por estar ali, naquela hora.

Saímos hoje às 7:30 do acampamento Serón. Antes de nós só outros dois caminhantes. “Ah, mas eles são homens e não tem que ficar esperando a mulher se arrumar”, brincou a Ale. De Serón a Dickson são 19 km e aquele seria o primeiro desafio dela. Estava assustada com a distância. Ainda mais depois do dia de ontem. Mas hoje, mais leve e com o visual da manhã, foi mais tranquilo pra ela.

As primeiras quatro horas do dia foras aqueles que estou até agora agradecendo. Um arco-íris completo nos acompanhou por toda a manhã. Gigante no céu, deixava no chinelo a beleza dos lagos e montes da Patagônia. Às vezes vinha duplo, com dois arcos se sobrepondo, nascendo no lago e morrendo na montanha. “É um presente, né?”, disse a Alê. “Não, é só um fenômeno físico, porque o sol está forte já de manhã e tem uma chuvinha fina vindo, mas agradeço por estar aqui, agora. É lindo”, respondi.

E a chuva, meio que pra me mostrar minha indelicadeza, só aumentou. Foi crescendo, apagando do céu o arco-íris e a parte da tarde foi toda debaixo d’água.

Os 19 km de Serón a Dickson são divididos ao meio por um posto da Guarda Florestal Chilena. A primeira parte é incrível: lagos, árvores retorcidas, o Passo dos Ventos, onde é difícil ficar em pé e onde perdi meu boné (era seu destino: já o havia encontrado no meio da trilha na Appalachian Trail e agora alguém irá encontrá-lo em Torres del Paine, só pra perde-lo de novo em outra trilha) e quase perdi meus óculos. A segunda parte é monótona: plana, onde o único atrativo é a chegada ao belíssimo local do Refúgio Dickson. E tenho que confessar que minha percepção pode ter sido alterada pela presença do arco-íris por quase toda a primeira parte e pela chuva durante toda a segunda metade.

Além de cortar a trilha ao meio o posto da guarda também marca a entrada no parque de Torres del Paine. Todo o famoso Circuito W – que vai, em sentido anti-horário, de Paine Grande a Serón, incluindo as Torres em si e onde ficam a maioria dos turistas e estão os campings mais caros – é privado, operado pela Fantastic Sur. A outra metade é o parque federal, onde os refúgios são operados pela Concessionária Vértice. O próprio governo também mantém duas áreas de camping mais simples, sem refúgio, uma em cada metade do circuito, e que são gratuitos.

Parece confuso, e é. São três operadoras, e pra percorrer o Circuito O como estamos fazendo é preciso ter as reservas nos campings das três – ou pelo menos das duas empresas. Só que os sistemas não são integrados: você pode reservar em uma e quando for tentar a reserva na outra não ter mais vaga. Aí você não tem alternativa a não ser mudar os planos, porque sem reserva em todos os campings que você planeja ficar os guardas florestais simplesmente te mando embora, sem dó nem piedade. Quando a gente estava fazendo as reservas – ainda em outubro – não conseguíamos de jeito nenhum reserva em alguns dos campings. Por causa disso acabamos ficando em refúgios em alguns deles.

Essa é outra opção: você pode acampar, ou pode alugar uma barraca, ou pode ficar em um refúgio simples, ou no mesmo refúgio com um pouco mais de luxo, ou pode ter as alimentações inclusas… Você pode fazer o Circuito O gastando em média 50 reais por dia (acampando) ou 500 reais por dia (ficando em refúgios, com cama feita e alimentação inclusa). A escolha é sua.

Torres del Paine S01E03

Dickson a Los Perros: 12 Km

A vida é feita de escolhas. E depois que elas feiras não adianta ficar se lamentando. Sua decisão já foi tomada, você escolheu aquilo que era o correto e o melhor pra você. Aproveite o momento.

Quando compramos as passagens e fizemos as reservas para o Torres del Paine, escolhi aquilo que achava que seria o melhor: um período não tão frio, não tão cheio, não tão chuvoso. Pra conciliar o tempo de chegada e retorno, a trilha ficou entre os dias 1 e 11 de março. Teoricamente um período ótimo.

Mas na semana passada, checando a previsão de tempo, ela só mostrava chuva para esse período. Sol até 28 de fevereiro e depois do dia 12. Entre 1 e 11 nem um dia limpo ou nublado. Chuva, todos os dias.

Paciência. Não havia nada que eu poderia fazer. Passagens estavam compradas, reservas feitas. Era encarar a chuva e ser feliz.

No primeiro dia, mesmo prevista, ela não apareceu. Ontem só veio na parte da tarde, mas veio pra ficar. Choveu à noite inteira e pela manhã também. Passamos a noite no refúgio – beliches, com colchão, confortáveis e quentes – mas saímos já molhados às 8h: nossos sapatos ficaram do lado de fora da casa e não secaram durante a noite.

Não fez diferença: com meia hora de caminhada não só os sapatos mas toda a roupa já estava encharcada. A chuva só foi dar uma trégua depois do almoço – pra voltar no final da tarde. Foi justamente no momento de estiagem que chegamos à melhor parte do trajeto: a vista para o Glaciar Los Perros.

Por causa da lama, o dia foi mais lento que o previsto. A distância também não parecia certa: na sinalização interna do Parque diz 10,5 km entre Dickson e Los Perros. No mapa impresso fala-se em 12km. A minha marcação deu 14km. O fato é que andando lento, desviando das poças e parando quando se tinha vontade saímos às 8h e chegamos às 14:30. Foi o tempo de montar a barraca, fazer o jantar e a chuva voltar a cair.

Alê parece que está bem. Curtindo, mas não amando. Cansada, mas não quebrada. Mas preocupada com amanhã, quando cortamos o Paso: a maior altitude da trilha. Mas preocupar pra quê? A decisão já foi tomada, já estamos aqui, agora é curtir o momento e encarar a subida logo cedo. Com ou sem chuva.


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Los Perros a Paso: 8km

Paso. O trecho mais temido do Circuito O. A maior elevação. O pior terreno. O pesadelo de todos os hikers que fazem o circuito.

Confesso que estava apreensivo. Alê estava em pânico. O trecho, de (dizem) 8km (marquei mais de dez…) vai de 600 a 1200 metros de altitude em cerca de 5 km pra depois cair a 400 em uns três.

Pra mim foi como um dia qualquer na Appalachian Trail. A primeira parte da subida, por entre as árvores e riachos formados pelo desgelo, é chata. Não é difícil, nem tão bonita: só chata. Depois, em meio às pedras e com muito vento, começa a ficar interessante. Pegamos um dia bonito – a visibilidade era boa, dava pra ver bem as geleiras. “Tem dia que a gente não vê dois metros à frente”, me disse um Sherpa. (Sim, em Torres tem sherpas, como no Nepal. Você pode comprar o pacote e não levar sua barraca ou comida: eles levam tudo pra você).

A descida, apesar de íngrime, é tranquila, com escadas, corrimão ou cordas em vários pontos. O único porém é a distancia: mas aquilo não tem só 8km de jeito nenhum.

Agora, pergunte pra Ale a opinião dela sobre o dia e você vai ter uma opinião completamente distinta. Ela odiou. Achou cansativo, difícil, traumatizante. Na descida, então, quase entregou os pontos. Faltando poucos metros pro camping, não se conteve.

Paso, o camping, é o mais simples até agora. Administrado pelo próprio governo, é gratuito – e bastante concorrido-, mas não oferece nada: uma área pra cozinhar, uma fossa e 20 espaços pra montar barraca. Só. A turma que viaja com os sherpas não pode ficar aqui: pra eles é preciso seguir até Grey, mais umas 5 horas de caminhada. Se tivesse sozinho encararia fácil. Mas felizmente conseguimos a reserva aqui: Alê não conseguiria andar mais cem metros.

Torres del Paine S01E05

Paso a Grey: 10km

Algumas coisas básicas que você precisa saber sobre Torres del Paine: faça as reservas que for precisar o quanto antes. Esteja preparado para o clima severo (ventos fortes, neve no verão, sol inclemente). Não confie na sinalização.

Tenho dito que um quilômetro chileno não mede mil metros, como no Brasil. Ele pode variar de 1200 a 1500 metros, dependendo da localização. Se a placa diz que a distância entre um abrigo e outro é de, digamos, 7 quilômetros (é o que diz o mapa do parque da distância entre Paso e Grey, por exemplo) isso pode ter, na verdade, uns 8 quilômetros ou dez. Nunca tem como saber com precisão.

Saímos do Paso mais tarde que o usual. Como o dia seria curto, ficamos enrolando na barraca até as 8, pra só começar a caminhar as 9. Diferente do mapa, a placa na saída do camping marcava 10 km até Grey. Outra, no meio do caminho, falava em 9 – nessa alguém riscou a numeração e escreveu “falso” abaixo. Confiamos num desenho feito em um pedaço de madeira no acampamento: 45 minutos até a primeira ponte, mais 1h30 até a segunda, 1h até a terceira, 45 minutos dali até Grey.

As pontes são, aliás, a verdadeira atração do setor. Suspensas a cerca de 20 metros do solo, dão um clima meio Indiana Jones à caminhada. De um lado a geleira, do outro a montanha, o vento forte soprando e você lá, cruzando aquela ponte, balançando a cada passo seu.

O Grey é o extremo oeste do Circuito W. Por causa disso foi difícil reservar um lugar pra dormir. Já em outubro o camping estava lotado. A solução foi passar a noite no refúgio em uma “cama armada”: cama com colchão e roupa de cama, travesseiro e edredom, em um quarto com duas beliches. Alê e eu ficamos em uma, um casal Franco-inglês na outra. Todo o conforto e privacidade que 80 dólares por pessoa (o dobro do preço dos ótimos hostels que ficamos em Puerto Natales e Punta Arenas) pode pagar.

Entrando no W esperamos encontrar a partir de amanhã à trilha cheia: até então só se podia caminhar no sentido que vínhamos fazendo, anti-horário. Agora não: além de mais popular, vai ter gente indo e vindo em qualquer direção. O mapa do Parque diz 11 km, 3,5 horas até Paine Grande, o próximo camping. Se vai ser isso mesmo a gente só vai saber ao chegar.

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Grey a Paine Grande: 11km

“Ainda está contando?”. Eu não estava. Quando chegou a cem o número de pessoas que passaram pela gente depois de menos de uma de caminhada eu tinha desistido de contar. Isso dá uma noção de como o Circuito W é popular. Um dia de chuva, ainda cedo pela manhã, e mais de cem pessoas já tinham passado pela gente no sentido contrário.

Paine Grande, o refúgio pra onde estamos indo, é o primeiro que a gente fica e é operado pela Fantastic Sur. É onde também existe uma doca, onde aportam os catamarãs vindo da outra entrada do Parque. Os turistas vão até lá de carro ou ônibus, pegam o barco até Paine Grande e caminham algumas horas até o refúgio Grey apenas pra ver a geleira. Mas esse tipo de experiência faz com que você veja apenas uma parte daquela imensidão. O Circuito O, por outro lado, permite que você caminhe por um bom tempo observando aquela imensidão azul – a geleira é azul, não é branca. Permite que você durma a poucos metros dela!

O Grey foi o lugar mais difícil de agendar. Dormimos em cama, dividindo o quarto com um casal Franco-inglês. Claro, ele roncava…Mas saíram cedo, bem antes da gente, e nós ficamos ali aproveitando o calor do quarto. Quando saímos ainda pegamos alguns minutos de tempo bom, pra depois sermos castigados pela chuva. O que não diminuía o número de turistas que passavam pela gente…Quando chegamos em Paine Grande ainda era início da tarde. Fizemos o check in do camping e o atendente, falando em português, disse que banho quente só depois das 18h. “E o melhor lugar pra você montar a barraca é lá em cima perto da montanha, por causa do vento. Mas não pode ser dentro da corda, porque ali são as nossas barracas”. Chuva caindo, frio, eu procurando algum lugar pra montar a barraca e perto da montanha não tem nada que presta. Resolvi montar um pouco mais abaixo, entre os banheiros e a cozinha, onde pelo menos mais 5 barracas já estão montadas. A noite vai ser por aqui.

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Paine Grande a Italiano: 7,5km

Eu deveria ter ouvido o atendente…

Ontem, quando chegamos, ele disse que o melhor lugar pra montar a barraca era perto do morro, por causa do vento. Mas não tinha um bom lugar: os lugares planos eram tomados pelas barracas do próprio camping – ele também tinha mencionado pra não montar dentro das cordas. Optei por montar atrás do refeitório, na frente do banheiro. Achei que ali o vento não seria tão forte.

Eu estava enganado.

As dez da noite começou a ventar forte. Mas um forte tipo o que tínhamos pegado em Serón. Eu não conseguia dormir, provavelmente por causa de um café que Ale e eu tomamos lá pelas quatro. Fiquei acordado, ouvindo música e depois podcasts, conversando com a Ale. Por volta de meia noite ouvi as pessoas das barracas perto reforçando as amarras. Eram pelo menos umas dez, todas a menos de um passo uma da outra. “Até que a minha está segurando bem”, pensei. E dormi logo depois disso.

Acordei à uma com a Ale dizendo: “parece que soltou ali. E acho que tem um buraco…”. Não tinha soltado: a vareta tinha quebrado ao meio. E o buraco era um rasgo de 20 cm na capa. Procurei meu kit reparo e claro: não trouxe. Peguei a silver tape e ela estava na última volta – tinha usado pra arrumar meu óculos que soltou a haste logo que desci do ônibus no primeiro dia e para fazer uma correia, já que quase o perdi duas vezes. A única coisa adesiva que tinha eram duas KT Tape – essas fitas para lesões. Peguei uma estaca extra que tinha e amarrei com as fitas. Não adiantou nada. A cada rajada de vento – era uma por minuto o teto batia no chão. Alê dizia que sentia dentro de um saco sendo fechado à vácuo. Saí para tentar reforçar as cordas – uma tinha arrebentado, outra provocou um segundo rasgo na capa. Não havia nada que eu pudesse fazer a não ser passar a noite segundo a barraca com os braços.

Eu sou um péssimo marido, só posso ser. Alê sempre disse que não gostava de acampar, que tinha trauma de quando tinha ido à Cachoeira das Ostras na adolescência, e eu insisto que ela venha comigo para não só caminhar, mas também acampar por mais de uma semana… Fiquei pensando isso enquanto segurava a barraca durante as três horas que ela conseguiu dormir essa noite.

Levantamos às 6:30, desmontei a barraca, soquei tudo na mochila pra avaliar melhor o estrago na refeitório que abria as sete. No refeitório ninguém tinha Silver Tape. Eu mostrava pro pedaço que segurava a haste dos meus óculos: “isso! Você tem?”. Ninguém tinha… desisti de consertar ali. O dia seria curto e eu tentaria ao chegar no Acampamento Italiano.

Guardei as coisas e fui trocar de roupa pra começar o dia. Indo pro banheiro tropeço em uma esquadrilha de alumínio do diâmetro exato da vareta. Dei uma de McGayver e fiz o conserto, esperando que a barraca aguente as próximas noites…

O Italiano é o outro acampamento do governo, então ali certamente vamos ter que dormir nessa barraca mesmo. Se ela não aguentar o plano é tentar alugar uma barraca montada ou beliche nos outros campings que faltam – Francês, Central e Chileno.

A caminhada, de menos de oito quilômetros em três horas, foi tranquila. A cada vento que vinha, lembrava da noite não dormida. No lago Sköttsberg o vento dançava por cima das águas, um balé que deixou claro o que aconteceu na noite: ele vem soprando forte, rajada após rachada, e depois de cinco ou seis elas se cruzam e combinam, promovendo um redemoinho, que levantava a água do lago.

O Italiano é simples, parecido com os locais que acampava na AT. Mas com uma vantagem: é cercado de árvores, que o proteje dos ventos. No posto da guarda florestal, onde as pessoas deixam mochilas para irem ao Vale Francês (3 horas de caminhada, ida e volta) e ao Mirador Britânico (7 horas ida e volta) uma placa mostrava a previsão do tempo de ontem, hoje e amanhã: ontem o vento chegou a quase 100 km por hora…

Não está ventando forte, mas uma chuva fina chegou e a barraca está segurando bem. Sigo pensando em como a Alê deve estar realmente se sentindo. Eu sou um péssimo marido…

Torres del Paine S01E08

Italiano-Britânico-Italiano a Francês: 11km

O clima tem sido mais rigoroso que o que a gente tinha previsto. Tem chovido mais, e tem feito mais frio. Normalmente nessa época do ano a média é em torno dos 10 graus, com mínimas de 5. Mas essa noite fez zero, e durante todo o dia a temperatura ficou baixa. Eu tenho acordado às 6h, 6:30 no máximo. Queria pegar a luz do nascer do sol para fazer fotos, mas tem sido difícil sair da barraca antes das 7:30, quando o sol já está alto.

O dia hoje foi sem mochila. O objetivo era só fazer um bate e volta ao Mirador Britânico, voltar ao Acampamento Italiano e dali andar só mais 2km à frente, até o Acampamento Francês. Não, não sei o porquê das nacionalidades, mas vou pesquisar ao voltar.

O trajeto de ida era só subida – 500 metros de ganho de altitude em pouco mais de 5 km. Sem o peso da mochila, Alê foi super bem. Fizemos em 3h40 o trecho, quando o previsto são 3h30.

Antes do Britânico existe o Vale Francês, entre as Torres del Paine e o Cerro Paine Grande. A vista é incrível, e vai ficando ainda mais impressionante à medida que você sobe. No topo é você cercado dos montes e montanhas da região: Paine Grande, Cerro Castillo, Cerro Catedral, Punta Negra, Cerro Aleta de Tiburón, Cerro Fortaleza, Cerro Espada, Cerro Hoja, Cerro Máscara e Cuernos del Paine. É certamente o lugar mais bonito até agora.

Diferente dos demais, o Acampamento Francês é um dos operados pela Fantastic Sur, a empresa privada que controla a área mais popular do Circuito W. O camping é formado por dezenas de plataformas de madeira para as barracas (20000 pesos, ou pouco mais de cem reais o aluguel). Os banheiros são bem montados, mas o chuveiro masculino não estava funcionado e a fila no feminino era enorme. Quando chegou a nossa vez do banho a água quente tinha acabado…

Está acabando. Amanhã para o Central, numa caminhada de 16 km.

Torres del Paine S01E09

Francês a Central: 15,5km

Na minha imaginação o caminho entre o Acampamento Francês e o Central seria em um dia de sol, com a luz refletindo nas águas verdes do Lago Nordernskjöld. Eu e Alê estaríamos felizes por já estarmos terminando a trilha. A gente fazia planos de outras num futuro próximo: Nova Zelândia, Santiago de Compostela, quem sabe a PCT…

Mas a realidade é dura. A chuva e o frio castigaram o caminho inteiro. O Monte Almirante Nieto estava coberto de neve. A chuva não dava trégua e o frio doía os ossos. Alê apenas dizia que a próxima viagem vai ser do jeito dela, ficando em hotel e cama de verdade.

O tempo só estiou quando deixamos de margear o lago e avistamos ao longe o Hotel Las Torres. Para o pesar da Alê não seria ali que a gente iria passar a noite – que custa “apenas” mil dólares a diária – , mas no Camping Central, alguns metros depois.

Escolhemos o local pra montar a barraca, bem ao lado de uma mesa de picnic, e quando vou preparar um jantar encontro jogado no chão um cartão de memória de máquina fotográfica. Nesse momento alguém deve estar muito chatiado(a) por ter perdido todas as fotos da viagem… Como não tenho como acessar o cartão por aqui o jeito vai ser levá-lo pra casa pra tentar encontrar o (a) dono(a) e enviar pra ele(a) as fotos…

Como amanhã é o último dia inteiro e nossa reserva no Acampamento Chileno inclui jantar, café da manhã e lanche, o jantar foi caprichado (pra tentar diminuir ao máximo o peso da mochila): de entrada, creme de aspargos com parmesão e crocantes de gengibre (na verdade uma sopa tipo Vono com queijo ralado e as migalhas do biscoito que espatifou). De antepasto, atum ao azeite de girassol com alho e ervas (um atum que a gente já tinha, frito no azeite com um tempero de salada desidratado). Como principal tivemos Noodles ao molho picante de carne (um miojo). E sobremesa, torrones uruguaios (era torrone mesmo, uruguaio também…). Pra vocês verem como a descrição dos pratos faz diferença na cozinha…

Amanhã é chegar ao Acampamento Chileno e dali seguir até a base de Torres del Paine. Se o dia tiver bom, na manhã seguinte eu sigo sozinho de novo, pra ver o nascer do sol. Alê já disse que não vai: a barraca não é nenhum quarto de hotel mas ainda assim é melhor que estar lá fora nesse frio…

Torres del Paine S01E10

Central a Chileno, Chileno-Base Torres de Paine-Chileno: 11km

Penúltimo dia de viagem. O dia de, finalmente, chegar à base de Torres del Paine…

Nove horas tem sido o nosso horário de saída. Tento sair mais cedo, mas o clima não está ajudando. Mesmo com o clima frio (tem feito 0º à noite) a gente acorda às 6:30, mas enrola pelo menos uma hora pra sair da barraca.

Hoje não foi diferente. Talvez tenha sido a noite mais fria da viagem – mas a chuva parou. Saímos do acampamento Central, por onde tínhamos passado no primeiro dia e onde vamos passar amanhã (ele fica bem na recepção do Parque) e subimos para o Chileno.

“Nossa, eu não sabia que hoje seria só subida!”, reclamou a Alê. Sabia sim, só não lembrava. A gente passou dia a dia a topografia da trilha e quando fizemos a subida ao Mirador Britânico ainda comentamos que seria um treino pra hoje. Mais um pouco e ela comenta que não está se sentindo bem. Não tenho dúvidas: pego a mochila dela, coloco na minha frente e subo levando as duas. Como é o último dia o peso não é problema…

Chegamos às 11h no Chileno, mas o check-in do camping só abre as duas. Consigo guardar as mochilas no locker e começamos a parte realmente complicada do dia: chegar à base das Torres del Paine.

A primeira metade do percurso é até tranquila. Mas do posto da guarda e antigo acampamento (não tem previsão para reabrir) pra frente a coisa fica mais difícil. Se não bastasse o terreno e a ascensão de 250m em um quilômetro, ainda fomos contemplados com neve, gelo e lama. Escorregadia, a trilha sobe sem trégua até a grande atração do Parque.

Ontem, no Central, Alê conversou com uma moça que havia acabado de descer e ela disse que não conseguiu ver nada. “Só o lago”, ela disse. Hoje ainda deu pra ver, em parte, as Torres e o Nido de Cóndor, a montanha escura ao lado das Torres. Passamos uns minutos ali, lanchando e fazendo fotos, até voltar.

Nossa reserva no Chileno é pensão completa (Full Board, com jantar, café da manhã e um kit lanche). Pelo que entendi aqui só pode assim, já que não pode fazer fogo em nenhum lugar. E o preço é salgado: um espaço de camping mais a pensão são 120.000 pesos, ou 650 reais pra nós dois. Se também quiser a barraca adicione mais uns milhares de pesos. Um beliche, outro tanto.

Como voltamos já perto das cinco das Torres, já não haviam mais plataformas pra gente. Mas nos cederam uma barraca já montada: um pouco mais de espaço e menos trabalho.

Amanhã o plano é acordar às 5h pra estar antes das 7h30 de novo na Base das Torres. Isso, claro, se a chuva cooperar…

Torres del Paine S01E11

Chileno-Base Torres del Paine-Chileno a Laguna Amarga: 11km

Season Finale. Recap do último episódio. Tudo igual, mas diferente.

Antes de contar o dia, deixa eu contar da noite. O jantar que é parte do pacote do Refúgio Chileno é ótimo. Uma sopa de legumes, salada, uma carne de porco com batatas, sobremesa. O café da manhã que pedi pra deixar pronto pra eu pegar antes de sair também foi bom: ao invés de deixar só um sanduíche pronto, como pensei, tinha ovos cozidos, sucrilhos, iogurte e café, além do próprio sanduíche.

Coloquei o relógio pra despertar às cinco, mas não consegui dormir direito. Acordei várias vezes antes disso e as 4:30 não dormi mais. Levantei às cinco, tomei o café e saí.

Speedy Gonzalez deu as caras pela primeira vez desde o início da trilha. Ia passando uma a uma as pessoas que também iriam ver o sol nascer nas Torres. Ainda escuro, via a luz da lanterna deles na minha frente e logo depois os cruzava. Eram umas doze, quinze pessoas no máximo. Fui no meu ritmo normal de caminhada e em 1h10 fiz o que ontem tinha feito com a Ale em 2h30.

Preciso dizer que apesar de escuro o dia hoje foi bem mais fácil. Não só porque eu já conhecia o percurso, mas porque a neve e o gelo haviam sumido. Era outro cenário. Mais pedras, mais local pra colocar os pés, e dava pra deslocar fácil.

Cheguei à Base às 6:30, e tive que esperar. Ventava e fazia frio, mas não foi em vão. Quando o sol foi surgindo e o céu mudando de cor a impressão que deu foi que ligaram o gerador e ascenderam as Torres. Às 7:30 elas brilhavam em dourado, refletindo nas águas do lago.

Desci antes das 8h e às 9h já estava na barraca – o combinado com a Alê era que se eu não chegasse até às 10h30 era pra ela achar um computador e me encontrar no Spot…

Pegamos o ônibus de volta às 13h30 na entrada do parque de volta a Puerto Natales. Torres del Paine agora é memória.