Estrada Real S01E17: Casa Grande a Prados

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Distância do dia: 53,67 km. Distância total: 662,79 km



Na conversa ontem em Casa Grande com o Negão no bar dele, ele me disse que sinal de celular era só subindo o morro. Fui lá pra tentar dar notícias pra Alê que eu tinha chegado e estava tudo bem. Lá em cima é onde tem também um campo de futebol. Sentei num dos banquinhos de madeira, mandei notícias pra família e peguei um pouco de sol nos pés. Não sei se tem fundamento mas acho que é bom pras secar as bolhas. De qualquer forma tava gostoso ali, fazendo uns 18 graus naquele fim de tarde. 

E com o pé no sol comecei a fuçar na unha 5. Ela já estava bamba, com o lado esquerdo um pouco inflado, o que doia a cada pisada. Peguei a ponta da unha e levantei. Nada de dor, mas um alívio tremendo. Continuei puxando e senti que ela só estava ali por causa da cutícula. Aflito, com medo, tomei coragem e puxei tudo. Ela saiu inteira. Dor nenhuma. Mas um cheiro de coisa doente saiu do dedão. Por baixo da unha tinha uma película, uma unha nova, já crescida, inteira, mas macia, mais transparente que o normal. A ferida na pele não estava bonita. Por incrível que parece o alívio foi imediato. Nada de dor e no caminho até a farmácia a sensação era que tinha tirado um afinete do dedo. Comprei o básico pra assepsia: água oxigenada, mertiolate, algodão. Pomada e gase eu já tinha. O dia seguinte seria o primeiro de caminhada com 9 unhas (também perdi uma no Caminho da Fé, a 6. Mas ela caiu depois que já tinha terminado a caminhada).

Voltei pra pensão da Dona Irene pro jantar. Me contive em dois pratos de caldo de mandioca (lembre-se: já tinha devorado dois sanduíches no Negão…) Dona Irene disse que não era de acordar cedo, mas seu Zeca podia fazer um café lá pelas sete. Não esperei: antes disso já tinha botado em meu embornal e pegado a estrada.

Devia ser sete ou pouco depois disso quando pela primeira vez na viagem fiquei apreensivo com uma pessoa. Devia ter andado não mais que meia hora quando passou por mim uma moto. “Opa!”, cumprimentei. A moto seguiu uns duzentos metros, parou e deu meia volta. Epa… Meu sentido-aranha já ascendeu a luz amarela. Ele veio e deu a volta por trás de mim. Seguiu pareado no meu lado direito, fazendo perguntas. Várias perguntas: “onde você tá indo animado nessa hora? De onde você vem? Onde você ficou hospedado? O que você leva nessa mochila? Pra que esses paus na sua mão?” Com a pulga atrás da orelha ia respondendo, limitando as respostas ao básico, mas tentando ser simpático.  Ficou ali uns minutos até que resolveu ir. “Vou estar colhendo feijão ali na frente, logo depois da descida. Passa lá pra gente conversar mais”. 

Como era no meu caminho não tinha como eu não passar. Depois da curva, na descida, tinham duas pessoas na colheita, motos parada no terreno à frente, meu amigo encontrado na cerca. Sentido-aranha de novo… “E aí? Vai até onde? O que é esse negocio dependurado aí na mochila? Essa água aí vai dar? Tem mais água dentro da mochila? Só tem isso mesmo que você falou? Mas você tá animado demais. Pula aí pra dentro pra ajudar a gente a colher feijão.” Foi minha deixa: “rapaz, animados são vocês que vão ficar aí colhendo feijão o dia inteiro, debaixo do sol”. E a partir daí o papo virou uma aula sobre plantio e colheita de feijao. Aprendi que se planta duas vezes por ano (na seca e nas águas), que a média são 40 sacos por hectare (mas uma fazenda da região esse ano deu 45), que por causa da pouca chuva a produção tá pequena, que cada saco de 60 quilos tá entre 300 e 600 reais, dependendo do tipo do feijão, que por dia de colheita o pessoal pode ganhar até 180 reais mas que a colheita é feita só até meio dia. De novo, minha deixa: “então deixa eu ir porque quando você estiver terminando aqui eu tenho que estar chegando em Lagoa Dourada. Valeu pela conversa. Qual seu nome?” “Fábio. E o seu?”

No final das contas Fábio era só um cara tão curioso quanto eu, impressionado com um maluco ali onde não passa quase ninguém, às sete da manhã, indo a pé até a próxima cidade, a 30 quilômetros de distância. Mas ainda assim a cada vez que ouvia um motor de Honda vindo e minha direção eu encostava e olhava pra ver se não era o Fábio.

Faz uns três ou quatro dias que o caminho tá tranquilo, sem dúvidas ou descidas significativas. Passei por Catuã e cheguei em Lagoa perto do meio dia. Parei na Igreja do Rosário, tirei os tênis e as meias pra deixar as bolhas no sol e fiquei decidindo se ficaria ali ou andaria um pouco mais. Certeza é que qual fosse a decisão comeria o Legítimo Rocambole. Entre uma garfada e outra decidi que iria fazer os 22 km até Prados. Ainda era cedo,  e como o terreno era bom eu chegaria por volta das 5. 

Logo de cara o caminho entra por uma plantação de eucaliptos. Mais que aflito, fiquei aliviado com a decisão de ter feito o trecho à tarde, com sol forte e dia claro. Fosse na manhã do dia seguinte, com a neblina que cobre essa região, eu teria arrependido perdidamente de ter dormido em Lagoa. Uma trilha fácil veio na sequência, com direito a pinguela e tudo mais. Agradável até o final da trilha. A partir daí, contrariando meu pensamento, foi sobida e descida e subida e descida e não se esqueça meu filho: você está em Minas.

Cheguei em Prados quase às 6, ainda a tempo do carimbo. Depois de outro dia com mais de 50 km, amanhã é dia leve e de velhas conhecidas: Bichinhos, Tiradentes e São João. Depois BH, pra mais um fim de semana com família (fiquei mal acostumado…)

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