Appalachian Trail S01E12

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Dia 12, 26/04:  Cody Gap (155.7) a Birch Spring Gap (171.8). Distância oficial: 16.1 milhas. Minha marcação: 24,7 km, 42.264 passos, 220 andares. Distância Total Oficial: 290,65 km

Quando você se propõe a fazer uma coisa dessas, andar 3.500 km, você sabe que está abrindo mão de um mundo de coisas. Do conforto da sua casa, da comodidade que a tecnologia lhe proporciona, de trabalhos que poderia fazer. Mas mais que isso um projeto pessoal como a Appalachian Trail te separa das pessoas que você gosta. E quando algo que é marcante na vida dessas pessoas acontece e você não pode estar perto, essa é a pior parte da caminhada.Venho me preparando emocionalmente há tempos pra isso. Quando planejei a viagem eu sabia não iria ao cinema com a Jade nas férias, que não veria a festa junina da Lis, que não comemoraria com a Tati e a Ale os aniversários delas. Vinha me exercitando, tentando prever minha reação pra quando esses dias chegassem. E o primeiro chegou. E não foi nada como eu tinha planejado.

Passei as quase dez horas de caminhada hoje pensando na Ale. A cada um dos 42.264 passos que dava minha mente ia a um ponto desses 23 anos de relação. Fiquei pensando na menina mais bonita faculdade, no início de namoro meio inesperado, nos perrengues que passamos juntos. Nas vezes que por bobeira minha eu quase a perdi. Nas risadas, nas bobagens, nas viagens, nas poucas discussões. Em quando eu ia de ônibus pega-la no shopping que ela trabalhava, nas noites que ela passava comigo quando discotecava. Na chegada das netas, nos amigos que fizemos juntos nesse tempo. Andava e minha cabeça ia me trazendo esses momentos.

Tenho a sorte de estar junto da Ale há quase meio século. Mais da metade da minha vida foi ao lado dela. E por todo esse tempo ela continua sendo a pessoa mais amável, bondosa, talentosa e especial que conheço. É uma pessoa iluminada. E a cada dia que passo quero estar mais junto, envelhecendo junto, como a gente falava há 23 anos. 

Ale apoiou 100% a minha ideia de passar cinco meses caminhando. Ela sabe o que isso me propicia. Por isso ela deva estar encarando essa data bem melhor que eu, que já derramei algumas lágrimas de saudade. Não se chora na trilha, é o que dizem. Mas não resisti. Não saiu como eu tinha planejado…

Além de choro e saudades o dia hoje foi de, adivinha? Subidas e descidas. Sempre. Se você é de Belo Horizonte é fácil imaginar: pense que você more na Cristina com Leopoldina. A rua não é ainda asfaltada, mas de terra, cheia de pedras e raízes. Choveu ontem, então tem lama também. Agora pense que você precisa ir até a Contorno e voltar. Agora repita essa percurso por 10 horas. É mais ou menos isso.

O que deixou o caminho especial foi a entrada no Great Smoky Mountains National Park. O Parque Nacional das Grandes Montanhas Fumegantes. O bicho papão da primeira metade da trilha. O ponto onde metade dos caminhantes desistem. O ponto mais alto da Appalachian Trail. A única parte onde é preciso pagar. O lugar onde você é proibido acampar: precisa ficar obrigatoriamente em um dos abrigos. 

Desde o início da AT as Smoky Mountains rondam o imaginário dos caminhantes. Pra chegar nela é preciso antes passar em Fontana Damn, uma vila/hotel às margens de uma represa. Lugarzinho pra milionários, que ficam passeando entre a marina e o hotel em carros conversíveis a 20 por hora. Como este é o único local “civilizado” antes das Smokies todos os caminhantes dão um passada ali pra comprar algum item ou pegar sua caixa com mantimentos. A minha meus anjos Ingrid e Yoav haviam mandado na semana passada. Comida para 5 dias, suficiente para atravessar o parque.

Pra chegar ao hotel, onde minha caixa me esperava, é preciso pegar um van do próprio hotel (3 dólares cada trecho) ou andar mais 6 milhas no total. E pra pegar a caixa o hotel te cobra mais 5 dólares. Cheguei cedo e meio dia já seguia em direção ao parque. Antes é preciso cruzar a represa e passar pelo luxuoso – para os padrões da trilha – abrigo de Fontana Damn. Tão luxuoso que é carinhosamente chamado de Fontana Hilton. Lembra que falei dos abrigos como sendo pontos de ônibus? O Hilton não. Tem banheiro (banheiro mesmo, não uma fossa como nos outros) e luxo dos luxos, chuveiro. 

A partir dali é subir, subir e subir. A natureza colabora: flores brancas e rodas, diversos tons de verde, nascentes. Andei 5 milhas (8 km) parque a dentro (ou melhor: parque a cima) e parei no único local onde é possível acampar pela próxima semana. Precisava hoje de um dia sozinho, quieto, sem gente falando. Um dia pra ficar pensando na Ale. Parabéns meu bem.

3 Responses

  1. Angelo Cardoso

    Minha produtividade hoje no trabalho foi “NERO”, tirei parte do dia para me atualizar sobre sua aventura. Ta demais viu! Sua esposa deve ser uma pessoa muito legal… Homenagem mais do que justa.
    Parabéns! To aqui de BH mandando boas energias para você!

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