Estrada Real S01E08: Ipoema a Cocais

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Distância do Dia: 42,08 km. Distância Total: 317,44 km. Carros que passaram por mim na estrada de terra: 0. 

Ronei havia dito na noite anterior que café da manhã só a partir das 8h. Mas como eu tinha que resolver o problema de dinheiro em Bom Jesus do Amparo, e banco lá só abre às 11 horas, não adiantava eu sair cedo. Então me dei quase duas horas a mais de sono, acordei às sete e foi comer meu desjejum. Ronei chegou logo depois, tomando achocolatado e comendo pão. Começamos a conversa e logo estávamos falando de música, leis de incentivo, projetos, financiamento coletivo e outros assuntos que me cativam. Ele é fotógrafo, tem dois livros lançados, e obras suas decoram as paredes da pousada. Temos vários conhecidos em comum, gente de banda e produção. O Ramos chegou logo depois e contou emocionado do show do Steve Vai que ele foi, fardado. “Olha aqui, até arrepio!”. Magro, alto, de fala mansa e cativante, Ronei contava também das caminhadas de três ou quatro dias que faz pela região. Contei do projeto AT e fiquei de entrar em contato pra gente fazer alguma caminhada na região.

Com o sol já quente peguei o asfalto pros 14 quilômetros até Bom Jesus do Amparo. Com exceção da bela fazenda Cabo de Agosto, citada por Saint-Hilaire no seu relato do século XIX, nada chama atenção.

Já pouco depois das onze, quando acaba de tirar a foto da igreja em Bom Jesus, Fernando chegou. “Até que você andou bem! Oi, eu sou o Fernando”. Ronei já tinha me falado dele. Disse que divulgava mais a Estrada Real que o próprio Instituto. Batemos papo, trocamos fotos e ele quis saber se eu tinha um tempinho pra escrever no livro de registros que mantém. Na pequena e organizado biblioteca municipal onde trabalha, ele me mostra orgulhoso os quatro livros já completos e o outro pela metade. “Só escreve na página de cá que nessa eu vou colar as fotos”. De sorriso largo e sincero, conta que recolhe doações de livros pra biblioteca. “O editor da Martins Fontes fez a Estrada e eu fiquei esperando ele ali na ponte, que eu sabia que ele tinha que passar. Perguntei pra ele qual livro de caminhada era fundamental. Ele disse que era o Senhor dos Anéis, que eles lançaram. Mas aqui não tem. Então ele mandou pra gente”, conta sorrindo. Fernando fala da cidade, das serras, da Estrada, e em cada frase dá pra sentir o entusiasmo e a paixão dele pelo assunto.  Dá vontade de ficar horas.

Mas eu tenho coisas mais chatas pra fazer: vou no banco, saco dinheiro suficiente para as despesas até a próxima agência e caminho com Fernando até a porta da sua casa. Já são 12:30. “Eu só não recomendo ninguém a sair daqui depois de 13:30, por causa da região dos eucaliptos. Nem de bicicleta”.

A região dos eucaliptos… O guia da instituto já alertava, que era preciso atenção  nesse próximo trecho até Cocais. O que nem o Guia nem o Fernando nem ninguém que eu li relato da Estrada Real fala é que esse é o trecho menos divertido da viagem. Nem o fato de um tatu ter cruzado a minha frente, nem a siriema na estrada, nem o fato de um bando de macacos ficarem fazendo algazarra, como que tirando sarro da minha cara, melhoraram meu humor. Primeiro porque a paisagem não tem nada demais, se comparado com os dias anteriores. Segundo, porque parte do trecho é feito em asfalto e é preciso cruzar uma rodovia movimentada e mesmo depois de pegar a estrada de chão você fica mais de uma hora ouvindo o zunido de carros e caminhões cruzando a rodovia ao longe. E quando vê esta cruzando a mesma rodovia, indo em direção a um posto de gasolina, sem marcos de sinalização.

Por fim, quando finalmente fica longe do barulho dos motores, você entra na plantação de eucaliptos. Pra mim, plantações de eucaliptos estão no mesmo nível de milharais para cenários perfeitos para filmes de suspense, terror e ficção científica. E você caminha pela porra da plantação de eucaliptos por pelo menos DUAS horas. E a marcação é falha, e o visual é o monótono é sombrio, mesmo durante o dia. E não passa uma alma viva (nem morta) e eu fiquei tenso. A ponto das juntas dos meus dedos da mão doerem. E quando você acha que está acabando, que você vê um riacho e um pouco de vegetação normal, você quebra pra direita e aí que a coisa complica, com eucaliptos de 20 metros te cercando em todas as direções. E sol quase se pondo, e eu sem saber se realmente estava no caminho certo, com a boca seca, mas não parava pra beber água de jeito nenhum. Ah, ali não.

Quando finalmente saí do labirinto, parei, tomei um gole d’Água e chorei. Agora até Cocais seria só mais uma hora.

Entrei na área urbana já escurecendo, com a lua no céu e a lanterna do celular iluminando o caminho.

4 Responses

  1. Fernando Gonçalves

    Definitivamente as vivências de um caminhante são as mais reais do que outros viajantes. É sem igual! Um desafio e tanto! Você partiu num horário bom, mas ainda chegou já anoitecendo. Esse trecho é complicado mesmo. Que bom que venceu esse também. Abraço

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